- Prosa & Verso
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- Eu, Mercador de Sonhos
Eduardo Valente
E a maldita bronquite atacava de novo. E, dessa vez, veio braba... Acabei, pela terceira vez, internado no hospital...
Coisa que era costume nosso, meu pai sempre comprava gibis e revistas, para eu ter o que fazer naquele quarto de hospital. Sabe como é, internet era coisa do futuro ainda...
E chegando na contracapa de uma revista, me deparei com uma coisa muito diferente: se chamava TK-85 e era meu primeiro contato com aquelas engenhocas que um dia se tornariam minha profissão.
Meu pai é assim. Sonho, pra ele, é mercadoria. Ele me apresenta alguns e, se houver interesse da minha parte, investe. Também se inteira dos meus sonhos e, muitas vezes, os compra. E praquele sonho que acabara de aparecer eu não disfarçava o interesse! Que coisa legal, aquela caixinha! Se você soubesse como falar com ela, ela realmente saia fazendo o que você pedia!!
Tive alta do hospital, mas não do sonho. E, quando chegou o Natal, lá estava aquela caixa com aquela novidade tecnológica, pronta pra me desafiar nesse novo sonho.
Não sei quantos plantões esse sonho custou... Quantas noites em claro, fazendo as contas pra conseguir pagar. Do meu lado, assim como nos outros investimentos em sonho que meu pai fez em mim, queria mostrar que, dependendo de mim, daria um bom retorno. Foi assim com violão, com pescaria, com escotismo, e agora com o meu primeiro computador.
Hoje sou pai de dois. Da Bia, uma artista de quinze anos, que segue firme na direção dos sonhos dela. Do Arthur, meu moleque de doze, que aceita cada desafio lançado como se fosse uma Copa do Mundo, e sempre volta com a taça. Hoje sou eu o Mercador. De sonhos sonhados por eles e de sonhos sonhados por mim.
E hoje, de Mercador pra Mercador, grito a plenos pulmões o nome desse que foi, é, e sempre será meu modelo: Mario Cesar Valente, pai, olha eu aqui! Esses sonhos são seus também! Será que tem mais alguns aí pra gente negociar? Minha mala tem sempre espaço pra mais alguns!!