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- A Lição de Um Rio
Eduardo Valente
Sou Sorocaba. Nasço ao poente da Serra do Mar, quando dois rios, o Sorocabuçu e o Sorocamirim, se encontram, lá pelas bandas de Ibiúna.
Nem bem viro rio e já engordo e vejo minhas águas represadas. Há muito tempo ( e parece mais para mim ainda ), no local onde hoje há uma barragem, a de Itupararanga, eu era uma tremenda cachoeira, mas agora sou só água calma...
Na serra de São Francisco volto a ser rio e, ainda criança, pulo de pedra em pedra, fazendo bastante barulho e crescendo, enquanto rumo para as cidades ao pé da serra.
Quando chego em Votorantim aguardo com ansiedade meu último grande salto e entro em Sorocaba, a cidade que ganhou meu nome, para encontrar meus piores dias. Eu fico sujo, cheio de lixo, todo reto e sem vida. Dizem que estão a melhorar, mas eu só posso torcer...
Aqui vi de tudo, desde os tropeiros que descansavam as mulas em minhas várzeas até uma vez, há muito tempo atrás, em que reis ficaram aos meus pés... Mas isto faz muito tempo...
Hoje eu aprendo! Saio da cidade grande e me embrenho e me divirto por caminhos os mais tortos possíveis, recebendo de volta toda a vida que a cidade grande expulsou. Sinto cócegas com os peixes na piracema e com os biguás mergulhando atrás destes peixes. Exploro as minhas margens na época da cheia e deixo lá, em troca de inha diversão, mais vida e terrenos férteis.
Aqui sou rio de novo! Sou Sorocaba! E brinco de rio maduro, mesmo quando o homem insiste em colocar barragens em meu curso. Mesmo quando me sujam, os aguapés me limpam e eu resisto.
Quando enfim, chego a Laranjal Paulista, é a minha vez de colocar em prática o que aprendi o que o Água Podre, o Tavacahi, o Taquaravari, o Pirajibu, o Supiriri, o Córrego Fundo, o Caguassu, o Olaria, o Itanguá, o Ipanema, o Sarapuí, o Pirapora e o Tatuí, rios que fazem parte de mim, me ensinaram: é minha vez de abandonar o que sou para me tornar algo maior. Continuo Sorocaba, mas agora sou Tietê! E mais prá frente serei Paraná e depois Da Prata e enfim, serei Oceano.
Que bom seria se os homens entendessem que há um momento na existência em que devemos deixar nomes e conceitos para trás e nos transformarmos em algo maior. Só assim, os homens deixariam de ser esta imensidão de riachos para serem oceano...