Interesse por Pirâmides

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(Do diário do Comandante Nogueira, da VII Frota Lunar) - transcrito

“Mar da Tranquilidade, 25 de fevereiro de 2097:

 

Este é um dia muito importante para mim, porque acabo de finalizar com sucesso a maior experiência já vivida por um ser humano e que, se exposta a público, deve comprometer toda a noção que temos de ciências como História e Física.

Estou com cento e dez anos, entrando na meia-idade, mas já começo a sentir o peso dos anos. Acho que está chegando a hora de mais um daqueles check-ups que me enlouquecem. Imagine só: às vésperas do século XXII e ainda tenho que me preocupar com idade e saúde! Simplesmente medieval! Acho que seria melhor ter vivido no século XIX ou no século XX, sem me preocupar com a Grande Praga ou com o início da nova Era Glacial. Seria tão bom preocupar-me apenas com as “Grandes Guerras”ou com um substituto para o CFC... Bons tempos aqueles!...

Mas o que leva-me a escrever isto não é esta nostalgia repentina, mas um sentimento insuportável de culpa e medo. Culpa de que eu tenha feito algo de muito errado e posto tudo a perder. Medo de que, quando descobrirem o que eu fiz, seja condenado à Grande Pena...

Ao ser um dos primeiros pilotos da Força Pósitron, fiz de tudo para ser o mais preparado dentre todos. Após anos de estudo, prática e aventuras, tornei-me não só o melhor piloto, mas provavelmente o maior especialista em Teoria da Relatividade no mundo, pois sabia que seria de extrema valia quando viajasse no hiperespaço.

A Força Pósitron era o mais avançado grupo de naves desbravadoras já feitas pelo homem e até hoje não superadas, mesmo já tendo trinta anos de projeto. Capazes de viajar a velocidades próximas à da luz, transformaram-se na mais perfeita integração entre matéria e antimatéria. Seu potencial bélico era o mesmo do planeta Terra por volta de 2015. Apenas uma nave era necessária para levar uma estrela do tamanho do Sol ao estado de gigante vermelha. Com tamanho poder nas mãos, é perigosamente fácil sentir-se indestrutível. E descuidos podem acontecer...

Estava voltando de uma viagem a Júpiter a noventa e nove por cento da velocidade da luz, quando um estalo me assustou consideravelmente. Passando perto de Marte, a atração gravitacional do planeta me fez (acreditem!) parar a quatro mil quilômetros de Gioconda, o sexto planeta de Alfa Centauri.

Refeito do susto e depois de me localizar novamente, desconfiava que havia algum defeito no equipamento da nave, fato grave que os cientistas deveriam resolver urgentemente. Olhando para o lado, percebi que a nave estava certa, eu que havia me enganado: tornara-me acidentalmente o primeiro humano a viajar no hiperespaço!

A verdadeira extensão do acontecimento, verificaria depois, era imensamente maior que isto. Ao voltar à Terra, com muito cuidado, descobri que, apesar de todo o tempo que levou a viagem de volta de Centauro, chegara apenas um mês atrasado. Inventei uma estória que, creio eu, possibilitava afastar suspeitas mais fortes sobre o que realmente tinha acontecido e permitiria tirar umas férias para pesquisar sobre o fato que modificara minha visão de tempo e espaço.

Custou-me acreditar na conclusão assombrosa à qual cheguei com meu computador: não havia viajado no hiperespaço e sim no tempo, quando era o sistema binário de Alfa Centauri que ocupava esta posição no espaço. Colocando novas teorias no Eggo, meu computador-tutor, consegui elaborar a mais espantosa teoria desde Hillary e seu Efeito-Eco. Einstein avançara muito no conceito de espaço-tempo e sem ele não seria possível a existência da Força Pósitron, mas era hora de avançar mais um passo...

O espaço, como o conhecemos, possui três dimensões que são transpostas facilmente por qualquer pessoa. Altura, largura e profundidade são conceitos já enraizados em todas as pessoas. O mesmo ocorre com o tempo. Todos têm dogmas de que o tempo é relativo, mas é uma só.

Diante das evidências que obtive, tive que destruir este último dogma, pois percebi que o tempo também tinha suas três dimensões, talvez até mais. Como nas dimensões espaciais, nós humanos somente somos capazes de conceber dimensões superiores a três matematicamente.

A quinta dimensão (segunda temporal) é a que possibilita a viagem temporal. Forma com a primeira o nosso plano de realidade. Percorrendo-a, chegamos ao passado e ao futuro, mas não o nosso passado ou futuro; é apenas uma linha temporal que segue o mesmo curso da nossa história e conta-nos a mesma história que ocorreu ou irá ocorrer.

A sexta dimensão, ou terceira temporal, é a dimensão do perigo. Ela abriga as temíveis realidades alternativas. Suponho que em algumas delas ainda existam dinossauros (domesticados ou não...) e em outras pode não ter ocorrido a Grande Praga. No entanto, viajar por esta dimensão pode trazer riscos que não compensariam a curiosidade.

Sabendo que uma máquina que tornasse possível esta viagem não seria algo impossível, tomei todo o meu tempo livre em planejar o propulsor, o coração da minha máquina do tempo (roa-se de inveja, Jonathan Spielberg). Depois de dois anos trabalhando às escuras, consegui terminá-lo: era como uma bobina onde transitavam partículas de antimatéria. O campo magnético gerado me direcionaria para qualquer direção do tempo. Foi esta peculiaridade da antimatéria que tinha feito minha nave pular no tempo. Enorme sorte a minha manter-se nesta dimensão.

Quando resolvi escolher o melhor período da história para visitar, não cheguei a outra conclusão: desde criança, o meu interesse por pirâmides sobrepuja tudo! Quando jovem, guardei todo o meu dinheiro de um ano de trabalho somente para viajar para o Egito e ficar pasmado com estes monumentos ao tempo. Aqueles monumentos construídos há milhares de anos desafiavam o tempo com sua técnica extremamente avançada em relação aos outros povos de sua era.

Munido de um tradutor universal, do tipo poliglon, que eu “emprestara” do Instituto Mundial de Linguagem, um bastão anti gravitacional e toda uma parafernália de equipamentos, engenhocas e disfarces, instalei o propulsor na minha nave da Força Pósitron e, num dia de menor atividade, zarpei à Era dos Faraós.

Não fosse meu reflexo extraordinário e a também extraordinário agilidade da nave, estaria agora (não me perguntem o que considero como “agora”) estourado numa Lua ainda virgem e fonte de intrigantes perguntas para as gerações “futuras” . Rumei então para a Terra e cheguei ao Egito durante a madrugada.

O deserto me intrigava. No meu tempo (pareço tão velho quando uso esta expressão), o Egito estava reflorestado assim como todos os desertos do mundo. O clima, controlado por satélites, não trazia surpresas. Logo ao chegar já vi-me surpreendido por uma tempestade de areia que quase cobre a nave.

Havia programado para chegar quando os egípcios estivessem no meio da construção da pirâmide de Quéops, mas qual não foi minha decepção ao encontrar somente areia e sol onde deveriam haver pedras de milhares de toneladas.

Consultei meu relógio (que eu mesmo inventara) e a época conferia, mas algo estava muito errado, e precisava ser consertado...

Só me dei conta da terrível realidade quando vi que havia nem mesmo as pirâmides anteriores a esta. Já ouvira falar de destino premeditado, mas isto era maravilhoso demais!

Rumei ao ano da construção da primeira pirâmide e minha suspeita se confirmou: não havia (literalmente) nem sombra de pirâmide.

Minha nova missão deveria ser cumprida a todo custo, mesmo que isto acarretasse penalidades severas...

Com meus equipamentos, modifiquei meu rosto para ficar idêntico ao faraó. Numa noite tranqüila, matei-o e tomei seu lugar.

Comecei então a arrumar a história com a conhecemos, deixando como legado a todos os outros faraós o bastão antigravitacional e instruções que seriam seguidas à risca sob pena de maldição eterna.

Na era da última pirâmide, cheguei e destruí o bastão gravitacional, já gasto por séculos de uso.

Agora, novamente em minha época natal, tremo só de pensar no que aconteceria se, ao invés das pirâmides, eu decidisse conhecer a Criação...”

 

Este diário foi apreendido dois meses depois de escrito. O Comandante Almeida fugiu para alguma data da década de noventa do século vinte. Logo que dominarmos a tecnologia necessária, iremos ao seu encalço. O prêmio por sua cabeça é de dois milhões de siclos, ou a revogação de Pena Máxima.

O computador tutor do Comandante, Eggo, foi encontrado e dentro em breve será quebrada suas restrições ao acesso estranho. Grandes revelações podem surgir daí.

 

Governo Geral, 13 de outubro de 2097