Sobrenome Paixão

 Eduardo Valente

Toda vez que montávamos um coral na igreja para algum evento, como uma cantata de Páscoa ou de Natal, uma preocupação vinha à mente: como fazer uma boa apresentação com um integrante tão desafinado?

Sim, para quem conhece a história dos bastidores, esse integrante tinha um nome: Arantes. E um sobrenome: Paixão. Casado com minha tia-avó Maria José, irmã de meu vô Elpídio.

Não é que ele era desafinado. Era completamente incapaz de entender a diferença entre as notas. E, por ter uma voz potente, quase de baixo profundo, obviamente se destacava das vozes médias e, se não tomássemos o devido cuidado, transformaria a apresentação num momento no mínimo esquisito...

Mas ele tinha um superpoder, que fazia a gente precisar dele, mesmo com o risco da desafinação atrapalhar o resultado final. Sem ele, muitas das cantatas não teriam acontecido. Seu superpoder? Estar junto.

Não importava o projeto. Se precisavam de alguém para suportá-lo, mesmo não tendo as habilidades, isso era o que menos importava. Importava sim era que ele estava ali. Uma pessoa com que se podia contar. Tipo um Samwise Gamgee sorocabano.

Na última cantata que ele participou, ao terminar, eu estava contrariado pelos errinhos que eu, como regente, percebi e que poderia ter preparado melhor o coral para não cometê-los. Ninguém que estava ouvindo perceberia, mas eu sim. Coisa de regente...

Mas quando minha tia se aproximou, me espantei com o fato de que ela chegou chorando. E as lágrimas eram de alegria. E me disse: “Foi a melhor apresentação de coral que eu já vi na vida!”. E acreditei nela. E concordei com ela.

O resultado final de uma peça artística não pode ser medido pelas falhas, nunca. O resultado final deve ser medido pelo impacto no público. E, para minha tia, o fato de ver o marido, desafinado, participando de um momento tão gratificante, era, sem sombra de dúvida, algo para se lembrar pra sempre. E Arantes, sobrenome Paixão, estava lá, fazendo este momento acontecer.

Se você estiver querendo pedir pra Deus um superpoder (ah! como eu queria poder voar, mas isso fica pra outra crônica ), que tal pedir o mesmo que o Arantes tinha? Estar junto. Poucos superpoderes são tão preciosos como esse e menos ainda são tão capazes de transformar a vida das pessoas, cotidianamente.