Tapiraí/SP – Salve Floresta: Salve a Floresta! Salve! Floresta...

01 e 02 de março de 2003

O casal de espanhóis Miguel e Emi vieram para o Brasil a convite da Dona Blanca e já tinham conhecido Bonito e as Cataratas do Iguaçú. Eu e a Mon queríamos levá-los para algum lugar perto de Sorocaba, onde houvesse bastante natureza, que não fosse caro e que não exigisse muito planejamento. Onde? Onde? Foi o Pineda, da asas no Pé, que deu a dica: uma ONG alemã, a Salve Floresta, tinha uma fazenda em Tapiraí, com caminhadas, cachoeiras, chalés e comida e preço bons. Estava decidido nosso destino daquele carnaval de 2003.

 

Sábado, dia 01

Seis e meia da manhã e todo mundo em pé! Na sexta a gente tinha ido na churrascaria OK, comido horrores e dormido quase duas da manhã. Agora, de ressaca, com um sono do cão, toca colocar as coisas no carro e ir prá Tapiraí. Antes, passamos na Padaria Real prá tomar um café gostoso e comprar pão pros espanhóis, caso eles não gostassem do pão de lá. Então, lá vamos os cinco: eu, a Mon, Dona Blanca, mãe da Mon, o Miguel e a Emi (Emília) prá Tapiraí.

Tapiraí fica a 65 km de Sorocaba. Pertinho, pertinho... De Tapiraí até a fazenda, são mais três quilômetros de asfalto e doze de cascalho, já na serra. O Uno da Mon ia bravamente serpenteando pela serra, com aquele barulhinho gostoso de cascalho pisado e aquele cheirinho de mata fechada, que tira da gente o stress e a agitação do dia-a-dia. Por volta das dez da manhã, já estávamos lá.

A fazenda está no meio de uma outra fazenda gigante, a São José. A Salve Floresta (www.salvefloresta.com) é uma ONG alemã, mas fundada por um brasileiro, que vive lá. Ali eram dois alqueires, com alguns alojamentos, uma piscina e alguns chalés. A gente foi direto pro chalé que estava reservado para nós.

Rapidinho, arrumamos nossas coisas lá e já pusemos roupa de caminhada, porque o Hernandes, nosso guia, já estava nos esperando prá primeira caminhada. Não dava nem tempo de respirar, mas, afinal, era melhor respirar aquele ar puro mesmo, lá dentro da floresta.

Preparamos um lanche de trilha com o material que tinham preparado para a gente no refeitório e, de mochila nas costas, fomos os seis para a Cachoeira do Tatu, nosso destino neste sábado...

Só eu e a Mon já tínhamos entrado em uma floresta. Os outros três tinham conhecido a mata de Bonito, onde as trilhas são pavimentadas com madeira, para bem estar dos turistas. Aqui, o pavimento era um misto de barro, água, folhas e galhos, e outras substâncias que não dava prá identificar direto.. Resultado: foi amor à primeira vista! O Miguel é jardineiro e quando ele viu aquela imensidão de verde, ele quase surtou! era bromélia prá um lado, orquidea pro outro, samambaia à frente e muito verde em volta. O humor de todos foi magicamente alterado. Não que estivéssemos bravos ou irritados, mas a cidade machuca bastante a gente. Aquele elixir verde, de barro no pé, mosquitos à volta (citronela aí vamos nós) e exuberância de formas e cheiros transforma qualquer um em leitor deste livro que Deus quis escrever ele mesmo.

Por mais ou menos uma hora e meia, a gente foi andando, atravessando riachos, subindo e descendo morros, meio sem noção de onde estávamos. De repente, um bando de mono carvoeiros passa perto da gente, mas passa tão rápido que só deu prá escutar seu barulho e as mexidas nas árvores por onde eles passavam. Mesmo assim, valeu.

O ponto final da caminhada é a Cachoeira do Tatu, onde se pode praticar cascading (rappel em cachoeira). A gente ficou no meio da cachoeira, com quinze metros para cima e vinte para baixo de água. Tinha um laguinho ali, onde a gente ia fazer a pausa para o almoço. A Dona Blanca já foi colocando os pés na água, o Miguel e a Emi tirando fotos e filmando e eu colocando as maçãs minhas e da Mon embaixo da água, prá comê-las mais fresquinhas. O calçado da Emi, depois de tanta água, não aguentou e descolou a sola. Foi uma diversão só o Miguel dar uma de MacGyver e amarrá-lo com cipó! Tiramos foto prá comprovar o mico do dia...

Voltamos pelo mesmo caminho de ida e hora e meia estávamos de volta, com um cafézinho da tarde nos esperando, com bolo de chocolate, café e limonada. Depois, piscina com hidromassagem (!) e amolecer o esqueleto até a tarde acabar. A Mon, que não quis entrar na piscina, foi tomar um banho e nem bem entrou e escutei um grito! fui lá e não é que uma perereca de seus dez centímetros resolveu tomar banho junto e quando a Mon, numa intuição repentina, resolveu mexer na cortina do banheiro, a sapinha não pula direto no braço dela? Tiramos a bichinha no rodo e levei-a para o laguinho à frente do chalé.

Tarde mole na piscina, banhinho gostoso depois, uma siesta na cama ou em uma das duas redes-cadeira na frente do chalé e já anoitecia. O Jeffer, administrador da pousada, junto com o Hernandes, preparava uns lampiões de óleo e dispunha-os pela fazenda. No jantar, um banquete delicioso, que comemos até ficar com vergonha. Conversamos, papeamos e o sono começou a chegar. Passeamos um pouco pela pousada e ficamos maravilhados com o efeito das tochas na ponte sobre o lago.

No lago, a escola de samba Unidos do Brejo estava em pleno desfile. Deveria haver pelo menos umas cinco espécies diferentes de sapos, rãs e pererecas ali e todas faziam um escarcéu enorme! Prá completar o cenário, milhares de vagalumes voavam ou perambulavam pelas redondezas. O céu estrelado de lua nova, dava o toque final. Uma noite memorável e a estrela cadente que riscava o céu lembrava o momento de agradecer ao Criador daquela belezura toda.

Dormimos. Cedo, mas satisfeitos com o dia que passara.

 

Domingo, dia 02

Dia de luz, festa de sol. Só não tinha barquinho! Tinha era cinco pessoas bem descansadas, depois de uma noite tranquila e de mais de dez horas de sono. O café estava pronto e a fome impelia para o refeitório. Aproveitando a boa luz que faz de manhã, tirei várias fotos da fazenda, porque o lugar era muito bonito mesmo.

Depois do café da manhã encorpado, já nos preparamos para a caminhada. Só que desta vez estaríamos em um grupo de umas trinta pessoas. A gente sabia que bicho, que não é burro nem nada, não passaria nem perto da gente, com tanta agitação assim. A Emi desistiu do seu sapato sem sola e usou uma das botas de borracha que estão disponíveis para quem quiser usar. As que serviram eram amarelonas e serviu prá gente dar muita risada. Mal sabia ela que o mico do dia seria dela de novo...

Todos com lanche preparado, todos citronelados e vamos em fila indiana com destino à Cachoeira do Macaco. Todo aquele mundaréu de gente (pra mato, mais de dez é mundaréu...) andando, dando risada e apreciando a mata atlântica, que é tão bonita por ali.

Primeiro lugar com mais barro e não é que a bota amarela da Emi resolveu ficar por lá mesmo? O detalhe é que o pé da Emi resolveu ficar junto com a bota e foi um suplício prá tirar o pé da lama. Mico anotado e muita, muita risada.

A caminhada parece ser mais curta, mas dura o mesmo tempo que a outra. Mas passa por muito mais riachinhos e termina numa cachoeira maior. O lugar lembra uma catedral verde, com as árvores de quarenta metros fazendo o papel de paredes e o visual impressionante a nos informar que ali é terra sagrada.

Por falar em água benta, a Dona Blanca não se fez de rogada e achou logo um daqueles mini laguinhos, que parecem banheira de hidromassagem. Se jogou lá, naquela água gelada, pegou um sanduíche, porque a fome já batia forte e foi batizada ali mesmo. Durou mais de meia hora, aquele batismo de natureza. A Dona Blanca falou que rejuvenesceu uns vinte anos e ninguém foi bobo de discordar.

Voltamos com calma, mas mais cansados que no sábado. Talvez porque o passeio estava terminando e já teríamos que arrumar as malas e voltar prá Sorô. As formiguinhas insistiam em aparecer e nos dizer tchau... Com cada ferroada que era prá gente chorar de tristeza mesmo.

Chegando à pousada, acertamos as contas, que ficaram menores do que imaginávamos, a espanholada aproveitou mais um pouco a piscina, eu tirei mais algumas fotos e fiquei com a Mon na rede a apreciar a paisagem daquele fim de tarde. Tomamos o café da tarde, carregamos o carro e iniciamos a volta, com a promessa de voltar logo, porque aquilo é uma preciosidade de tão gostoso.

Mesmo com o carro sofrendo um pouco prá subir a serrinha, naquele chão de cascalho, chegamos antes das sete em Sorocaba, e fomos à casa de meus pais para mostrar o desfile das escolas de samba do Rio para os espanhóis. Eles foram bem sinceros em dizer que não trocavam o que tínhamos feito por estar em nenhum daqueles carros alegóricos. Realmente, fora uma viagem maravilhosa...

Prá concluir, fiquei pensando: o nome da pousada e da ONG, Salve Floresta, por ser de alemão, faz a gente imaginar um significado duplo para ele. Salve Floresta pode ser visto como um pedido de ajuda: Salve a Floresta! ou ainda como uma saudação: Salve! Floresta! Heil Floresta! Sem nenhuma conotação com o nazismo, por favor!!

Pessoalmente, prefiro a última, porque floresta a gente deve saudar e nunca chegar ao ponto de precisar salvar. Então que seja assim: Salve! Floresta! Salve!

 

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Olha o que o dono do lugar respondeu por email prá gente...

Olá Eduardo, acabo de ler o teu diario de bordo e gostei muito de que voces tenham gostado.

É um prazer enorme para mim saber que nossos hóspedes gostem da minha pousada.

Quero fazer uma pequena correção.

Eu sou o proprietário do Salve Floresta, porém sou paulistano de familia quatrocentona e não alemão. Mas jamais ficaria ofendido por isso, pois moro aqui há 35 anos.Minha familia porém é toda da capital, avó de Descalvado pais e maes de Sao Paulo, nem sobrenome alemão eu tenho.

A unica coisa é que a ONG Salve Floresta nasceu na Alemanha. Foi em 1990 quando realmente o Brasil estava sentado no banco dos réus sendo processado e atacado pelo mundo inteiro para salvar a floresta amazonica, quando as areas dos  Yanomamis estavam sendo invadidas pelos garimpeiros , quando surgiu a exclamação Brasil, Brasil  salve as tuas  florestas. Dai ficou o Salve Floresta, que poderá ser interpretado como voce mesmo escreveu  salvar de Salve, ou salve de salutare (latin) saudar.

Nessa época, fui representante aqui na ALemanha do José Lutzenberger( antigo Ministro do meio Ambiente do governo Collor) e as campanhas para salvar as florestas tropicais vinham alcançando muito exito.

A ONG Salve Floresta aqui da Alemanha investiu muito na area de produtos naturais junto com as populações ribeirinhas no Amazonas e hoje eu vivo da venda de produtos medicinais e geleias do Amazonas  que importo do Pará e Amazonas.

A pousada Salve Floresta em Tapirai é para mim um lugar maravilhoso onde me sinto em casa junto com a natureza e os pássaros que vão comer frutas todos os dias.

A nossa grande preciosidade infelizmente tivemos que doar. Foi nosso cateto a famosa Carlinha, um animal selvagem maravilhoso, só que começou a morder sem pedir licença, e suas presas afiadas e enormes  deram muitas histórias.

Bem quero também dizer, sem puxar o saco dos alemaes, que eles foram os primeiros a darem impulso no projeto. com a vontade de conhecer as florestas tropicais, sentir um pouco da vida do Tarzan, conhecer um pouco da fauna e flora , dessa maneira com os grupos que formamos aqui conseguimos levar até hoje uns 1000 alemães  para o Salve Floresta. Foi assim que conseguimos fazer isso que voce viu.

Além disso o chefe que sou eu moro aqui na ALemanha, e a pousada é tocada pelos funcionários.

Volte sempre e queira aceitar os mais sinceros votos de elevada estima e distinta consideração.

Antonio Carlos