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26 de dezembro de 2007 a 05 de janeiro de 2008

Quarta, dia 26
Finalzinho de setembro e o Huayras, numa de nossas caturradas, avisa que vai para sua terra natal e pergunta se não queremos ir. A resposta é rápida: sim!!
Nos dois meses seguintes, foi uma correria de arrumar vôo, hopsedagem, material, roupa, mas enfim, chegou o grande dia da viagem: vinte e seis de dezembro de 2007. Acordamos às três e meia da manhã e fomos arrancar minha irmã da cama, para ela nos levar ao aeroporto.
Chegamos tranquilo em Cumbica, nos despedimos da mana Melissa e da prima Bruna e fomos realizar o checkin. Vôo tranquilo e dez e pouquinho já estávamos em Buenos Aires, no Aeroporto de Ezeiza, tentando descobrir como chegar ao Aeroparque, de onde sairia o outro vôo, para Bariloche.
Encontramos um ônibus e com mais de duas horas de folga, fomos tranquilos... O problema é que além do motorista lerdo, pegamos um trânsito chato e eram 13:20 ( horário do vôo ) quando chegamos estressadíssimos no Aeroparque. Lá dentro, um caos. Gente brava, aeroporto lotado e pouco tempo depois descobrimos porquê. Um alarme falso de bomba fez a polícia evacuar todo o aeroporto e só agora retomaram os checkins... Prá gente, foi um alívio e com meia hora de atraso, entramos no avião.
Na nossa poltrona, uma figura esquisita, imediatamente apelidada por nós de Bariloche Joe. Era um daqueles tipos estranhos americanos, que foge para o sul, com roupa camuflada e fica a tirar fotos das coisas, com gestos de gente maníaca. Achamos que a vista da janelinha não valia o risco e deixamos o BJ tirar suas fotos em paz...
Chegamos em Bariloche e lá estavam o Huayras e a Patrícia ( tinham saído dia 10... ) e a irmã do Huayras, a Alma. Apertamos a bagagem no carro e levamos a Alma para a rodoviária. Aqui cabe um parêntesis: poderia gastar um bom tempo com piadas infames sobre os nomes das irmãs do Huayras ( Alma e Brisa ), mas vou tentar me conter e somente relatar a viagem, ok? Fecha parentesis.
Depois de despachar a Alma ( eu não resisto... ), passeamos em Bariloche o resto da tarde, ainda sem decidir se dormiríamos lá ou passaríamos a outra cidade. Demorou tanto que o tempo decidiu pela gente: esta noche, em Bariloche!
A noite estava caindo e resolvemos curtir o pôr-do-sol do lado de um restaurante giratório que fica láááá em cima da montanha. Fomos de carro até onde dava e depois fizemos o resto a pé. O vento e a poeira judiavam, mas a vista da cidade, com os nevados ao fundo e o lago Nahuel Huapi de presente valeram a pena.
De volta, procuramos um lugar prá dormir e quê é de achar? Todos os lugares só aceitavam pelo menos duas noites ou já estava lotados. Já conformados em dormir no carro, encontramos uma hostaria por 100 pesos o casal e capotamos na cama, depois do dia mais que longo.
Quinta, dia 27
O programa para hoje era fazer a Rota dos Sete Lagos, um roteiro recente que começa a fazer sucesso na região nos meses de verão. Abastecemos o carro e a cesta de piquenique e vamos à estrada!
O caminho é maravilhoso. No início, sempre margeando o Nahuel Huapi, com uma vista na imensa maioria das vezes deslumbrante, faz a gente esquecer o cansaço e ficar querendo tirar foto de cada curva da estrada. Uma hora depois e chegamos a Villa La Angostura.
Villa La Angostura passou a ser a Bariloche mais chique uns tempos atrás, posto ocupado hoje por San Martin de Los Andes. Bariloche agora é reduto brasileiro, onde aceitam reais nas lojas, para se ter uma idéia... A vila é muito simpática e resolvemos almoçar ali mesmo. Tiramos as coisas que tínhamos comprado do carro e fomos procurar uma beira de lago para fazer o piquenique.
Com certeza, foi o piquenique mais bonito que já fiz. Com um lago andino de pano de fundo, queijo, jamón ( presunto chique ), vinho e a mais nova obsessão da Mon: Cepita, um suco de maçã da Coca Cola que só vende por aqueles lados.
Barriga reabastecida, voltamos à estrada. O próximo lago era o Correntoso, onde a parada era um rio azul esverdeado limpíssimo, cercado de algumas flores da região e cenário de muitas e muitas fotos.
Depois, já na estrada de rípio, o cascalho de lá, passamos pelo Lago Traful, com a Villa Traful, um povoado bem pequenino, no meio do caminho. O lago é mais uma das paisagens inesquecíveis e há logo após a vila, um mirador, onde eu e o Huayras inventamos de escalar umas pedras que davam para um abismo em cima do lago. Muito bacana, mas o vento e a altura nos cansaram prá valer e como estávamos sem água, no primeiro riachinho ( eles chamam arroyo ) enchemos as garrafas. A água doía na mão de tão gelada, mas foi uma das melhores águas que já bebi!
Depois de muito rípio, chegamos à confluência dos rios Traful e Limay, voltando ao asfalto. Dali, seriam cerca de duzentos quilômetros até nosso destino, El Bolson.
Chegamos em El Bolsón, "comarca andina do paralelo 42", umas sete e meia da noite e já fomos comprar empanadas e cerejas. As últimas, muito baratas para o padrão brasileiro ( 5 pesos o quilo ) e as primeiras, deliciosas para qualquer padrão. Se soubéssemos que não comeríamos no resto da viagem empanadas tão gostosas, teríamos pedido mais...
E enfim, no bairro afastado de Mallin Ahogado, chegamos à chácara da mãe do Huayras, que já tinha sido chamada de El Caminante, mas agora ostentava o nome Wunjo, que é Alegria em algum dialeto nórdico. Chegamos, entramos e fomos conhecendo o pessoal, todos com jeito de hippie e vivendo naquela comunidade alternativa que era o Wunjo.
Após alguns momentos de macheza argentina ( beijinho entre homens é o fim da picada... ), tiramos da mochila os presentes do Brasil: café ( o de lá é muito ruim ), goiabada ( recebida sem muita festa ) e a grande vencedora, a paçoquinha. Todos se ajuntaram e passaram a dividir as paçoquinhas certinho, uma prá cada um. Acho que deu umas três prá cada, de modo que cinco minutos depois parecia que alguns tinham fumado maconha de tantas caras e bocas que faziam com nossa ilustre paçoquinha..
Como já era muito tarde, inflamos o colchão e dormimos na mesma casa do Huayras, deixando prá montar a barraca em outro dia. Cinco minutos depois de deitarmos, estávamos dormindo.
Sexta, dia 28
Acordamos tarde, mas dentro da rotina local. Tudo era mais lento e apesar de estar claro desde as seis da manhã, a vida começava a acontecer depois das dez. Muito depois do café, o pessoal foi continuar a construção da cozinha, que ficou com a estrutura principal pronta e só.
Enquanto o pessoal ficava a pensar na construção da cozinha, desci eu, a Mon e o Gabriel, o filho mais velho do Huayras, até o rio Azul, que faz fronteira com a propriedade. Era uma senhora descida e o Gabriel ainda fez questão de se perder. Perdoei porque ele só tem oito anos, mas depois achamos o caminho certo e fomos os dois, porque a Mon resolveu voltar antes de se cansar de vez. O rio é de um azul bonito, resultado do degelo do cerro Hielo Azul, monte que voltarei a falar mais prá frente.
Voltamos e o almoço foi macrobiótico, ou algo parecido, com arroz papa, beterraba e batata. Pouco ou nenhum sal e suco de salco, que é uma florzinha de lá que, fermentada, vira um champanhe muito apreciado pelos locais.
Depois do almoço, claro, siesta! Dormimos até a criançada chegar e acordar todo mundo. Como já eram umas seis da tarde, começamos a nos preparar para o banho, o que significava cortar lenha, colocar na caldeira, acender o fogo e, cerca de uma hora depois, tomar um banho rápido em uma posição precária. Coisa de cinema...
Saímos do banho e nos atemos a catar cerejas nos galhos mais altos das árvores com uma vassoura de jardineiro. Eram oito da noite e nem sinal de a tarde acabar. No comecinho da noite, por volta das dez, comemos sopa com o pessoal e fomos dormir.
Ah! Neste dia descobrimos nosso horóscopo maia! É uma coisa chamada kin, que é uma espécie de signo que você tem baseado na sua data de nascimento. Eu sou Humano Galático Amarelo e a Mon é Estrela Galática Amarela. Disseram que eu sou o guia perfeito para a Mon e vou lembrá-la disto a todo momento, podem ter certeza! Principalmente nas discussões...
Sábado, dia 29
Dia de subir a montanha. Mas também dia de fazer um monte de coisas na cidade... Acordamos cedo (09:00), tomamos um café comunal, com granola feita pelo Huayras e antes do meio dia já estávamos passeando na feirinha de artesanato local, onde alguns dos habitantes de Wunjo estavam expondo sua produção.
Bateu fome e comemos um sanduíche de milanesa, rejeitado pela Mon, que acabou comendo um waffle meia-boca. Com as lumbrigas mais calmas, continuamos a passear na feirinha, provavelmente o grande evento semanal da cidade. Só é permitido expor o que se produz e, assim, consegue-se ter uma noção do que é El Bolson pela mão de seus próprios habitantes. A cidade é considerada região não-nuclear, o que significa que muitas das atividades são restritas, o que é bom para a natureza e também para o povo dali.
Com o tempo virando prá pior, precisávamos sair cedo para a montanha e após apreciar um sorvete na famosa sorveteria do local, a Jalja ( simplesmente fabulosos os sorvetes, feitos de frutas da região ), compramos algumas coisas no supermercado e voltamos para Wunjo.
A Mon estava no "vou, não vou, não sei se vou". Quando soube que a subida era punk, o tempo estava feio e tendia a piorar, ficou no não vou mesmo. A gente ficou pensando em deixar para o dia seguinte, se a chuva melhorasse, saindo cedinho. Quando a Semilla chegou, de mochila pronta e uma cara de "e aí? vamos?", a gente foi.
Sete horas da noite/tarde/dia. Uma montanha inteira por subir e três malucos: Eu, Huayras e Semilla, prontos a encarar seja lá o que fossemos encontrar na montanha. Por falar em montanha, o nome Hielo Azul vem de um glaciar que existe lá em cima e que, pela pressão, o ar vai embora e só fica o gelo extremamente limpo que deixa passar somente a luz azul. É um espetáculo magnífico.
Arriba. Acima. Subindo e Subindo. A noite chegando, o frio aumentando, mas não tanto quanto a dor em minhas pernas completamente fora de forma. A chuva ameaçava, ameaçava e de vez em quando dava uma mostra do quanto pode machucar. O terreno era uma subida bem íngreme, com trechos de muita pedra, que implorava escorregões a todos os mochileiros que passavam por ali.
Dez da noite e chegamos no Lengal. Era o início do bosque de altitude onde a espécie quase única de árvore eram as lengas. Muito bonito, mas muito gelado, principalmente para um caipira da latitude 23!
Com a chuva cada vez mais próxima, fizemos uma sopinha de aspargos, que comemos com uns pedaços de pão. Barraca montada e toca prá dentro porque a noite prometia...
Domingo, dia 30
Após uma noite muito molhada e fria, acordamos com umas partes da barraca úmidas, resultado da má armação dela na noite anterior e fomos encontrar lenha prá fazer o café da manhã, quer dizer, o chá ( ou té ) da manhã...
Fogo aceso, desayuno feito, acampamento desmontado e onze horas estávamos de novo na trilha, agora através do belo bosque de lengas.
A chuva tinha dado uma pequena trégua e pudemos aproveitar melhor a paisagem, muito bela. Quando os primeiros montes de neve foram aparecendo, sabíamos que o nosso destino estava próximo. Ao meio dia e meia, chegamos no anfiteatro do Hielo Azul, uma parede de pedra, neve e cascatas impressionante, onde escolhemos um lugar para montar a barraca, pertinho da Laguna Natación. Montamos a barraca, catamos lenha, acendemos fogo e comemos a polenta com queijo mais insólita e deliciosa dos últimos tempo. Nada como uma fome de elefante para transformar um prato de polenta numa iguaria...
Reabastecidos, era hora do Huayras mostrar prá gente o seu quintal. Foi neste monte que ele aprendeu as primeiras técnicas de montanha e fazia doze anos que não voltava aqui. Estava feito criança feliz com brinquedo novo e, se não fosse o tempo ruim, sairia correndo até o cume!
O primeiro contato com neve de montanha é uma coisa esquisita. A sensação é que a qualquer momento você vai afundar, escorregar ou algo do gênero. Depois de uma hora ou mais, a sensação de insegurança diminui e você começa a aproveitar o passeio. Andar em uma ladeira nevada, sem crampons ou outro apetrecho prá te fixar, com frio e molhado, onde a chuva não é de água, mas de pedacinhos de gelo, não parece uma das situações mais confortáveis que já estive.
Lá em cima, bem lá em cima mesmo, quando já tinha desistido de subir mais, o Huayras grita que tinha encontrado o tal gelo azul. Subimos mais e numa parede de neve destacada da rocha, lá estava ele, pertinho e pronto prá tirar foto. Mais prá cima, numa outra parede foi possivel usar uma faca e fazer uma carinha feliz prá posar na foto e foi o que fizemos. Mico na montanha, não tem preço!
Depois de muita bagunça na montanha, era hora de voltar ao acampamento, que lá de cima parecia um minúsculo ponto esverdeado. Chegamos umas sete horas e toca procurar lenha seca prá acender o fogo, que precisava ser forte! E foi forte... Nossas roupas molhadas fumegavam (quero ver tirar o cheiro de defumado depois.. ), mas a chuva, como que por birra, aumentou e aumentou. Resultado: em vez de um bom macarrão, fomos tomar sopinha dentro da barraca...
Não eram nem nove da noite/tarde/dia e como não tinha outra coisa prá fazer, dormimos.
Segunda, dia 31
A noite foi gelada, mas seca. Acordamos cedo "ma non troppo", desmontamos acampamento e às dez e meia, mochilas nas costas, demos adeus ao Hielo Azul. O tempo melhorara um pouco e a Semilla agradecia constantemente a visita do amigo sol. Seu nome de batismo é Gabriela mas, como tudo neste lugar precisa ganhar um nome novo, ganhou o de Semilla, ou semente, em português.
Pelo bosque, que parecia mais bonito agora na volta ( a descida faz milagres ), comendo manzanillas ( mini-maçãs de altitude ), flores e frutos de calafate, chegamos rapidamente no lengal e toca descer a enorme rampa até lá embaixo. O Huayras, cada vez mais criança, resolveu descer correndo, de mochila e tudo. Lembrei-me dos hobbits mas não podia me desgarrar e lá fui eu correndo também, com meus joelhos e ombros e me gritar palavrões.
Lá embaixo, depois de atravessar as duas pontinhas do rio Azul, chegamos no barzinho do camping e tomamos uma cerveja artesanal de graça, que não matou a sede, mas aliviou um pouqinho. Um paisano (vaqueiro de lá) atravessando o rio a cavalo rendeu mais algumas boas fotos e vamos, que ainda tá longe.
Anda, anda e anda e nada de chegar. Por volta das duas e meia, finalmente, Wunjo! Retornávamos ao lar! Comecei meu ritual de voltar a ser humano ( galático amarelo ), fazendo a barba, tomando banho ( este foi na vizinha e não demorou uma hora prá ficar pronto... ), escovando os dentes (tinha esquecido a escova ), colocando chinelos, enfim, todas aquelas coisas simples que te fazem bem quando voltamos de aventuras outdoor...
Não deu nem prá descansar muito pois, como era o último dia do ano, iríamos para a casa do Luiggi (namorado da Camila) passar o Ano Novo lá. Fomos nós então prá Lago Puelo, uma cidade vizinha, comemorar. Durante o trajeto, conhecemos o Mirador do Rio Azul, um ponto para se ver o rio até o lago, muito bonito. Passamos em El Bolsón e comemos pela última vez o sorvete do Jalja e chegamos no final da tarde na casa do Luiggi, para passarmos o nosso reveillon mais insólito de todos.
A maioria já estava lá. Um bando de hippies tocando bongô e atabaque, com um fogo no meio assando à moda patagônica. A mãe do Huayras não foi e acho que por conta das carnes, já que é vegetariana radical. Cerveja feita por eles rolando, um ar de anos 70 por toda a volta e um horário de verão mandrake, decretado pelo governo argentino no dia 30, que fez a gente perder a virada de ano.
Montamos a barraca, realizamos a cerimônia dos pães, que é algo como uma cesta de pães onde todos escrevem os desejos para o próximo ano que, um a um, são lidos e atirados ao fogo aos gritos de "Aho!" que, acho, seja um tipo de amém hippie. Um mantra foi entoado e o novo ano foi recebido. Completamente diferente e insólito para mim e minha formação de presbiteriano convicto, mas tudo bem. Feliz ano novo a todos!!
Uma e meia da manhã, fomos deitar, ao som de tambores e em um colchão furado, resultado da brincadeira das crianças enquanto estávamos na montanha.
Terça, dia 01
Por falar em crianças, adivinhe quem nos acordou? Nahuel!!! Primeiro dia do ano e a Mon queria porque queria café na cama. Ou no colchão furado... Num ritmo ainda sonolento, fui na casa e consegui uns pedaços de pão gostoso da noite anterior, um café instantâneo com leite e tentamos desayunar com a companhia insistente do Nahuel, o caçula do Huayras, do lado de fora da barraca.
O ritmo sonolento permeava tudo e, já impacientes, saímos dali, passamos na casa de uma amiga que nos presentou com geléia de rosa mosqueta (preciosidade) e fomos ver o tal Lago Puelo, que estava muito cheio e não permitiu nossa chegada muito perto.
Como iríamos embora no dia seguinte, acertamos um remis em El Bolsón e voltamos para Wunjo arrumar as coisas. Despedimos de todos que pudemos encontrar, arrumamos as malas e tentamos dormir um pouco, só um pouquinho...
Quarta, dia 02
Seis horas da manhã, despertador tocando. Desinflar o colchão furado, guardar o resto das coisas e correr para a porteira da chácara, onde o remis passaria às sete. Aliás, uma boa por estas bandas é contratar remises e não taxis. No fundo, no fundo, é a mesma coisa, com a honrosa diferença que você acerta o preço com o remis antes e não importa o caminho ou o trânsito pego por ele.
O motorista pegou a gente às sete e quinze e às oito estávamos no ônibus da Via Bariloche. Chegamos por volta das dez e, perguntando no Informaciones, indicaram o hotel San Francisco, baratinho e nem tão ordinário. Mais dez pesos de taxi e entramos no hotel, com camas separadas (único quarto disponível...) e 60 pesos a diária com café da manhã.
Aproveitamos para tomar o primeiro banho de verdade em muitos dias e eu protagonizei o acidente do dia, escorregando na banheira e caindo sentado no bidê. Dói até hoje, uma semana depois....
E vamos passear em Bariloche a dois. Loja e mais lojas, um vento gelado e forte que dava calor no sol e frio na sombra, sem perceber já era hora de almoçar e escolhemos o barzinho da Quilmes, a Skol de lá. Lotado, restava-nos aguardar uma vaga, que foi gentilmente cedida por um senhor muito simpático que passeava lá com a esposa. Conversando com eles, soubemos tratar de Isaac e Nora, cuja filha se encontrava em uma comunidade alternativa como a que tínhamos passado o reveillon. No deles, Isaac, de 81 anos, horrorizou-se pelo fato de sua esposa Nora sugerir-lhe fumar um baseado, visto que era uma das poucas coisas que ele não tinha feito na vida. Casal muito simpático!
Sete e meia voltamos para o hotel, tomamos um banho e então percebemos como estávamos cansados! Que juntar cama que nada!! Oito horas e os dois roncando alto, acompanhados de uma noticiário argentino na televisão...
Quinta, dia 03
Fechamos a conta no hotel, corremos até uma lan house prá ver se a Melissa confirmara buscar a gente em São Paulo e meio dia, o remis já estava lá para pegar a gente e levar para o aeroporto. Vôo tranquilo, conhecendo um casal de Minas, o Cesar e a Ana, e revendo o Isaac e a Nora, que aproveitou para nos dar o telefone deles em Buenos Aires.
Chegamos na capital, alugamos mais um remis e chegamos no nosso hotel, o Atlas Tower. Ótima escolha, o hotel está localizado na Avenida Corrientes, a cerca de cinco quadras do obelisco, ou seja, no centro de Buenos Aires. É a rua dos teatros e das livrarias, bem bacana mesmo.
Entramos, deixamos as malas e fomos passear na capital. Na verdade, passeamos na rua Florida, uma espécie de 25 de março argentina. O calor era tanto que toda lojinha com ar condicionado despertava nosso interesse. Compramos nada ou quase nada e fomos procurar um lugar prá comer. Acabamos parando no Banchero, um restaurante/lanchonete tradicional que nos serviu uma empanada que lembrava vagamente as de El Bolsón e um bife à milanesa gigante, que conseguimos comer um pouco mais da metade. Mais umas livrarias de sobremesa e chegamos ao hotel, onde esperamos o sono chegar assistindo um daqueles programas de variedades onde uma pessoa famosa, no caso o capitão Kirk - Willian Shatner, era detonada por comentários ácidos de seus supostos amigos. Ê programão!!
Sexta, dia 04
Último dia de passeios, acordamos cedo e tomamos nosso primeiro café decente em território argentino, com direito até a iogurte com cereais. Agora estávamos prontos para nosso programa de índio: conhecer o máximo de Buenos aires a pé!
Na saída, o recepcionista pechinchou e pechinchou tanto que aceitamos o convite de conhecer um show de tango à noite. Programa noturno garantido, fomos às ruas.
Começamos na rua Santa Fé, andamos até a nossa conhecida rua Florida, como era dia de greve ("paro") em Buenos Aires, descartamos a Recoleta e seus museus, atravessamos a Plaza de Mayo, tiramos foto da Casa Rosada, entramos em San Telmo e nos divertimos com seus antiquários ou, melhor dizendo, na maioria das vezes, quinquilhários e rumamos para o bairro do Boca.
Aí a cidade começa a tomar ares de periferia e, com apenas cinco pesos no bolso, começou a dar medo de ser assaltado. Durante o dia ia ser difícil, mas durante a noite, a gente não passava ali nem a pau, juvenal!! Chegamos na Bombonera ainda com medo e lá dentro deu prá tirar uma foto usando camisa brasileira do lado da estátua do Maradona, comprar alguns regalos para o pessoal do Brasil (principalmente minha mãe, que é são-paulina doente) e pensar em como chegar no metrô. Não ia dar tempo de ir ver o Caminito, fica prá próxima...
Quadras e quadras depois, o metrô. Velho, bem caído se comparado a São Paulo, mas com passagens a 90 centavos, tava valendo a brincadeira. Voltamos à Corrientes na altura do hotel, fuçamos em algumas livrarias e fomos tomar banho prá ir pro tango.
Oito horas e o ônibus já estava lá para nos pegar. Fomos de hotel em hotel coletando curiosos, na maioria brasileiros, e chegamos ao Madero Tango, num dos lugares mais chiques de Buenos Aires, o Puerto Madero.
Jantar muito bom, com carpaccio de entrada, bife gordo de chorizo e lombo com pure de batata doce de prato principal e sobremesas gostosas. Vinho e bebidas à vontade. O show belíssimo, nada de cafona (era o nosso medo) e durando mais de uma hora, rendeu boas lembranças da famosa dança bonairense.
Como nada é perfeito, passaram três vezes errado o cartão da Monserrat e foi bloqueado. Soltando os cachorros e falando em português, passei o meu cartão e tudo resolvido. Chegamos no hotel quase às uma da manhã e despencamos novamente na cama. Isto estava se tornando tradição...
Sábado, dia 05
Alvorada às três e meia da matina. Quase não dormimos... Às dez para às quatro, o telefone toca informando que o remis já estava lá. Rapidinho para o aeroporto Ezeiza e nada de check-in aberto.
O pessoal começou a ficar bravo... O check-in começou depois das cinco e o vôo para o Rio já começou a atrasar. Depois foi a vez do nosso. Quando estávamos quase para iniciar o check-in, os funcionários da Aerolineas Argentinas mandam todos do vôo para São Paulo para uma fila especial e aquela estória de os últimos serão os primeiros aconteceu de novo. Bom para os últimos, péssimo para os primeiros, que eramos nós...
Continuando nossa epopéia, a funcionária disse que tinhamos vinte quilos de excesso de bagagem, a mesma bagagem, com o mesmo peso que nos acompanhara desde o Brasil e que agora ganhara inacreditáveis vinte quilos de excesso. Brigamos, batemos boca e, como a fila estava inquieta, a funcionária não nos cobrou o excesso. Mandamos ela práquele lugar e fomos pagar a taxa de embarque. No avião (até este momento, já era hora de voar...) foi uma vai e vem de funcionários consertando cadeiras e assentos que não acabava mais. Resultado: mais de uma hora de atraso do vôo.
Enfim, voamos para São Paulo, a Mon deu uma passadinha no Freeshop e voltamos prá casa, pros nossos cachorros, nossa casinha e nosso carro novo que pegamos na concessionária.
Fica desta viagem montes e montes de lembranças de coisas e experiências inéditas, num lugar abençoado (e meio que largado) por Deus que é a Patagônia. Pessoas diferentes demais do nosso jeito de ser para conseguirmos ter pontos de contato mas, mesmo assim, possibilitando conversas divertidas em torno da fogueira, ao pé da montanha. São lembranças que só melhoram com o tempo, fazendo a gente ficar com vontade de regressar àquele fim de mundo.
Aliás, agradecemos ao Huayras esta oportunidade. Nome estranho este, não? Huayras, na lingua quechua, falada pelos povos dos Andes, significa vento.
Meu amigo, o vento.



























