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- Parque Nacional do Itatiaia – Caminhando nas nuvens
08 a 12 de outubro de 1999

Um breve histórico...
Eu já havia estado aqui, em agosto de 1987, como escoteiro sênior do Grupo Escoteiro Balthazar Fernandes e qual não foi minha frustração ao saber que não poderia assinar o livro que existe no pico Itatiaiaçu, nas Agulhas Negras porque já eram cinco da tarde e precisaríamos descer. Prometi voltar e assiná-lo.
Doze anos depois estou de volta...
Sexta, 08 de outubro de 1999
A saída da excursão promovida pela Iaque estava marcada para dez da noite, mas... sabe como é... aproximadamente onze horas estávamos no ônibus com destino ao Parque Nacional do Itatiaia, entre Minas e Rio de Janeiro.
Vamos ver se eu lembro do nome de todo mundo: Eu (óbvio), Esli, Eduardo Alvarenga, André, Silvana, Cabelo (vai pelo apelido mesmo...), Aline, João, Guilherme, Bira, Tatuí, Sandro, Calango, Americano, Renato, Tuta, Ivan, Fábio, Andrézinho, Ricardo. Quem foi esquecido, me avise que eu corrijo, ok?
Nosso motorista era o Américo e nosso meio de transporte era o Boto Azul, um ônibus modificado que agora tinha cama, mesa de jogos, freezer e otras cositas más. Pitoresco.
Sábado, 09 de outubro de 1999
Chegamos próximo às sete da matina no Itatiaia e uma densa neblina cobria tudo. O frio era forte e estávamos meio preocupados com a possibilidade de chuva, já que todas as previsões do tempo indicavam isto.
Começamos a montar as barracas, enquanto a tenda do ônibus, onde seria a cozinha, era montada por algumas pessoas, principalmente as que iam dormir no ônibus.
Todos ansiosos para ver o que o parque nos reservava, uma turminha louca para fazer umas vias de escalada, esperamos até umas onze horas e lá fomos nós!
No parque, tudo é longe e as distâncias enganam. São quilômetros a serem vencidos tendo o objetivo sempre no visual. O ar é mais seco e o sol é inclemente. Dica: não se esqueça de levar protetor solar fator 30, 40, 50, que você não vai se arrepender. Protetor labial, boné ou chapéu e óculos escuros são itens indispensáveis também.
Passamos a portaria do parque e caminhamos alguns quilômetros, com a galera da escalada (eu estou mais para trekkeiro...) achando aqui e ali uns tais de P, um grampo em forma óbvia que distribuíam-se por vias de escaladas já demarcadas.
Já se avistavam as Agulhas, as Prateleiras e o Altar. Como hoje era dia do último, lá fomos nós para o Altar. Sem trocadilhos, por favor...
Caminha-se cerca de duas horas até chegar à Pedra do Altar. Uma formação com dois cumes, e uma pirambeira de um dos lados. O desnível é cerca de quinhentos metros e curte-se uma bela paisagem dali. O vento é forte, mesmo sob sol, principalmente em algumas rajadas. Todo o agasalho que tinhamos tirado era recolocado, porque alí é assim. Se anda, tem calor, se pára, tem frio.
Ficamos lá em cima curtindo a paisagem até as três e pouquinho da tarde e começamos a voltar. Como tinha estrada prá caramba, sabíamos que chegaríamos com a noite quase total. Sem lanternas e com lua nova, fica meio complicado andar por ali...
No caminho de volta, eu, a Silvana e o Eduardo resolvemos ver um riozinho que corre por baixo de uma pedrona e que era possível fazer uns quebra-corpos, passando por baixo dela. Curtimos a brincadeira e enquanto eu e a Silvana esperávamos o Bira e o Sandro, o Eduardo foi correndo pegar o que seria a primeira de uma longa série de caronas...
Voltamos com o sol se pondo e o frio aumentando. A janta estava quase pronta e esperamos.
Depois da janta, fomos tomar banho numa pousada, onde havia um chuveiro para sei-lá-quantas pessoas. Muito tempo depois, era hora de voltar ao acampamento.
Como todos estavam extremamente cansados, no máximo onze horas e todos já tinham dormido.
Domingo, 10 de outubro de 1999
Acordei meia-noite e meia com frio. Muito frio! A temperatura despencara e dava mostras que iria cair mais ainda. A noite inteira foi acordar e procurar por mais agasalho, esperando o sol nascer. Soubemos depois que chegou a três graus negativos!
Pela manhã, todas as barracas, sem exceção, estavam cobertas por uma fina camada de gelo, e embora o tempo indicasse um sol muito forte, naquele momento o frio era gritante.
Tomamos o café da manhã e como era preciso mudar o ônibus (bumba, no jargão popular) de logar pois os guardas estavam arranjando encrenca, fomos na frente para o parque ver uma turminha tentar algumas vias de escalada.
Olhamos um pouquinho e, insatisfeito com a demora, o Eduardo perguntou se eu não estava a fim de chegar no topo de uma montanha ali pertinho. Como o sangue escoteiro fala mais alto, topei e lá se foi a dupla de Dus para cima da montanha...
O caminho que parecia fácil revelou-se uma vegetação densa e nada rasteira, que cortava os braços da gente como se fosse gillete. A duras penas chegamos ao início da subida e enfrentamos algumas pedronas, já se arrependendo da furada...
Quando estávamos na metade da subida, vimos bem ao longe, na estrada, o resto do pessoal rumando para as Agulhas. Abortamos a subida e descemos o mais rápido que o terreno permitia, o que não era muito.
Fomos encontrar o resto da turma já no Abrigo Rebouças, esperando alguns que estavam voltando da escalada. Todo o pessoal junto e partimos para o nosso modesto ataque ao cume.
Após cerca de cinco quilômetros de trilhas, chegamos à base das Agulhas Negras e estimávamos em cerca de duas horas e meia até o topo. Era meio dia e precisávamos nos apressar...
No princípio, a subida é em meio ao mato, com alguns trechos mais íngremes, mas ao chegar no paredão de pedra, a subida realmente começa. Cerca de trinta metros de altura, a uma inclinação de 45 graus, dá para suar bastante e o agasalho é completamente movido para a mochila ou para a cintura.
Após o paredão, começa uma fenda na montanha que nos acompanha até quase o cume. Cheia de quebra-corpos e subidas em pedras, é uma escalada simples, mas um trekking radical. Depende da classificação...
Cerca de três horas da tarde os primeiros iaques chegavam ao cume. Eu, entre eles, tinha como foco fixo o Itatiaiaçu, o pico do livro. Nem parei prá tomar fôlego e fui para os lados da corda. Era de um senhor que estava brigando com outro por ter pego o livro. Dizia ele que era assim mesmo, que o livro era substituído de tempos em tempos. Briga deles. Para mim, pedi para usar as cordas já postas e – temeridade – nem esperei por uma cadeirinha ou algo do gênero para segurança. Desci "borrando as calças" e subi ao livro.
O pico em si não tem nada de mais a não ser o próprio livro. Escrevi no recém-inaugurado livro as palavras: "Tentei em 87, cheguei em 99 – Eduardo Valente – Sorocaba/SP". Um velho fantasma descansava em paz.
Ficamos mais tempo lá nas Agulhas, curtindo o visual e escutando o Cabelo tocar violão. Isto mesmo! No topo do Rio de Janeiro, um maluco de Sorocaba ensaiava alguns acordes. Questão de atitude!
A tarde começava a cair e as nuvens ameaçavam esconder tudo. Tomamos o caminho de volta, que foi bem mais rápido que a ida.
Já quase noite e estávamos no Rebouças novamente. O Eduardo aproveitou a passagem da caminhonete do Ibama e pediu carona. Definitivamente era um perito... Chegamos cerca de uma hora antes dos outros, junto com um pessoal de Bauru.
Banho antes da janta, jantar e noite de piadas. O Cabelo desfiava uma após a outra e a gente se esbaldava de rir. Todo mundo estava cansado e todo mundo estava feliz. Isto é o que importa....
Segunda, 11 de outubro de 1999
O dia amanheceu claro e a noite não tinha sido tão fria. Só a barraca do Andrézinho, de quem eu emprestara o isolante, estava com gelo. Provavelmente porque não tinha ninguém dentro. Cefé da manhã rapidinho e rumo às Prateleiras. Desta vez, o Américo ia conosco.
E toca a andar! Quilômetros à frente, a estrada acaba e começa a trilha que leva às Prateleiras. Este maciço não sei o porquê do nome, mas é definitivamente mais bonito e impressionante que as próprias Agulhas Negras, tão famosas. O visual é fantástico!
Na base da montanha, descortina-se um mirante onde vê-se acima as pedras e abaixo um oceano de nuvens sem fim, onde facilmente pode-se perder um dia inteiro somente vendo a paisagem. Tirando o Ricardo, que preferiu ficar ali, e a bicicleta do Bira, que deixou o dono seguir em frente sem ela, todos fomos ao cume.
Escolhemos a via sul, por ser mais fácil, já que a escalada não era o prato principal. Mesmo assim, há muitas pedras e muita subida. Conforme se sobe, a imensidão visual começa a confrontá-lo e um pulinho que seria coisa de criança lá em baixo toma proporções de abismo! É interessante captar a psicologia das imensidões, como agora batizo, onde se sente extremamente frágil, ao mesmo tempo que a sensação de recompensa advinda da conquista aumenta exponencialmente. Falei difícil? Tudo bem, eu estava impressionado mesmo.
Chegamos ao cume com duas baixas: O Américo e o Eduardo ficaram no meio do caminho pois afirmavam que vida de passarinho não é prá eles. O resto estava lá no cume para curtir.
Em 87 eu tinha tomado a via norte e foi a minha primeira montanha. Esta via, a norte, é muito mais difícil e fica o trauma de estar muito alto e com o coração na boca. A via sul é mais amena, mas com o mesmo impacto visual. Demais!
Voltamos pois o sol estava muito forte, esperamos um pessoal descer de rapel para tirarmos algumas fotos deles e no caminho de volta visitamos uma cachoeirinha, com um lago trincando de gelado. Reabastecemos nosso estoque de água, gastei minha última foto e toca prá casa... er... ônibus ...er... barraca!
Tomamos banho e enquanto a janta não saía, eu e o Eduardo desafiamos a galera para um jogo de truco. Como a gente mais falava que jogava, conseguimos jogar o mundo inteiro contra nós e ao perdermos para o Cabelo e a Aline (mais para a Aline que para o Cabelo) um enxame de marrecos inundou o ônibus. O marreco chamado André chegou a assustar!
Depois da janta, descemos até à pousada onde papeamos um pouco por lá e mais tarde voltamos. Tomamos um chá, estouramos uma pipoca e fomos dormir.
Eu não queria dormir antes da meia-noite e o céu estava algo de sublime. Esperei a sinfonia de zíperes se acalmar e fiquei só eu, sem luz alguma a não ser a das estrelas, a mirar e admirar as constelações.
Aqui e ali estrelas cadentes riscavam o céu. Diante de tantos pedidos, como manda a tradição, fiz um que torno agora público. Pedi prá Deus que eu nunca me esquecesse de agradecê-lo toda vez que me deparasse com um show tão belo como as noites de lua nova e céu limpo no Itatiaia.
Combinei com Ele que à próxima estrela cadente eu iria dormir, mas ao invés de estrela, um névoa chegou bem rápido e escondeu o céu e tudo a mais de cinco metros de mim. Como se Ele me dissesse: "do meu jeito, não do seu...". Entendi o recado e fui dormir. Com certeza a melhor segunda-feira dos últimos tempos...
Terça, 12 de outubro de 1999
Último dia e todo mundo acordou meio de ressaca. Tinha passado tão rápido e a vontade de ficar mais era grande. Até o tempo que nos brindara com um sol tão forte hoje estava nublado e neblinado.
Tomamos o café da manhã sem pressa, e cada um foi fazer alguma coisa. Eu fui ver uma turminha escalar e rapelar, além de curtir a vista de cima da Pedra do Camelo.
Era preciso desmontar acampamento e rumar para Sorocaba meio cedo, pois tinha todo o pessoal de Aparecida do Norte que iria certamente congestionar as estradas na sua saída. Almoçamos rapidinho, desmontamos tudo e voltamos.
O Bira, que estava com uma mountain bike, resolver seguir nela, curtindo a paisagem enquanto que a gente ia de ônibus, quer dizer, bumba!
Viagem tranqüila, sem congestionamento, com o truco rolando solto e um pouquinho de violão prá passar o tempo. Nove e meia da noite estávamos em Sorocaba.
Tchaus e tchaus, combinamos de na semana seguinte encontrarmo-nos para uma pizzada e ver as fotos. E, é claro, para já pensarmos na próxima.
Ficam os novos amigos e a comunhão com a natureza que somente uma montanha pode dar. Existe um livro chamado "Sobre Homens e Montanhas", de Jon Krakauer, que eu estou lendo agora. Esta nossa visita poderia render dois ou três capítulos de um livro como este. Com certeza!











