- Aventura
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- Parque Nacional do Caparaó/MG-ES - neblina no terceiro cume
06 a 09 de julho de 2002

Sábado, dia 06
Por volta de 1859, o então imperador do Brasil D. Pedro II resolveu colocar uma bandeira no maior pico da serra do Caparaó. Daí, encontraram o tal pico e puseram o nome de Pico da Bandeira no dito cujo. A lenda diz que o nome Caparaó vem de um boi muito bravo chamado Ó, que três vaqueiros laçaram e caparam. Pois é, Caparam o Ó. Acredite quem quiser...
A gente, que não sabia nada disto e só queria passar mais um feriado acampando, saímos da casa do Luizinho, em Pindamonhangaba, às seis da matina, com frio, sono e sabendo que teria estrada prá dedéu pela frente...
Em três carros, eu, a Mon, o Luizinho, a Rita e o Edu, fomos passear para o tal parque, distante quase novecentos quilômetros de nossa Sorocabinha. A gente tinha chegado na sexta dia 05 em Pinda, só prá ganhar algumas horinhas e agora, com um dia meio nublado, rumávamos para a divisa entre Minas Gerais e o Espírito Santo.
Depois de muita estrada, passando por cidades como Volta Redonda, Sapucaia, Carangola, Anta e Alto Jequitibá, chegamos por volta das quatro da tarde em Alto Caparaó, na entrada do parque. A estrada era bem chata, com muito caminhão e quase sempre em mão dupla...
A gente tinha quase chegado e a altitude era de menos de mil metros. Alguma coisa estava errada, pois no parque seriam mais de 2000... Quando a gente passou Carangola, um paredão no horizonte informava que por ali a coisa era alta mesmo! Ao chegar na entrada do parque, a estradinha de terra que levava até o Tronqueira, o máximo que carros poderiam chegar, a subida exigia sempre primeira marcha e uma senhora de uma subida!
A gente sabia que seria difícil chegar até o local de acampamento, mas pensava que não seria tão longe. Porisso mesmo, levamos um pouco de material a mais, porque o frio se anunciava bravo! De barraca, saco de dormir, roupa, comida e tudo o mais, a gente parecia mula de carga, mas a noite não estava se importando muito com isto não... Nem bem a gente entrou na trilha e a tarde foi indo embora. Lanterna na cabeça e subida e mais subida. De início, eu e a Rita nos avançamos e logo a noite caiu.
A gente não via mais nada. A lanterna da Rita não funcionava direito e as trilhas pareciam se multiplicar. O que era um caminho só, de repente pareciam vários... A gente escolhia um e seguia por ele, parando a cada cinquenta metros prá descansar. A temperatura despencou e beirava zero grau. A noite completamente estrelada era linda, mas anunciava um frio daqueles que só gosta quem é esquimó ou pinguim.
Pelo talkabout, a gente conseguia conversar com os outros três, mas não tinha a mínima idéia de onde eles estavam e quanto faltava para o acampamento. Chegou uma hora que a Rita queria ficar esperando o Eduardo, mas a gente continuou mais um pouquinho e eis o acampamento! Um breu de dar dó e quando a gente viu um espaço aberto, já foi montando a barraca. Só a minha, porque as outras estavam com o Luiz e o Eduardo.
Barraca montada, roupa de (muito) frio vestida, alguma coisa comida e ficamos esperando os três, que só foram dar as caras mais de meia hora depois. A Mon já foi correndo prá barraca prá tentar se aquecer e começamos a preparar o jantar. Já eram mais de oito da noite!
Em meio a uma algazarra promovida por uma galera que tinha ido acampar ali, a gente, de barriga cheia, tentou dormir, mas o frio estava decidido a não deixar...
Domingo, dia 07
A madrugada foi movimentada! Aquela galera estava resolvida a não dormir e a ir para o Pico da Bandeira naquela noite. É impressionante o volume de barulho que um bando de quarenta adolescentes pode fazer! Num momento ficavam quietos e ao menor wow (algum grito de guerra, penso eu) vários wows eram ouvidos dos lugares mais improváveis. Duas da matina deu vontade de ir ao banheiro e ao redor dele o chão estava forrado de pequenos embrulhos de cobertor, provavelmente com algum infeliz morrendo de frio dentro!
Acordamos sem pressa e o café da manhã foi por volta das nove. Um sol forte que não conseguia espantar o frio e um vento que ia e vinha avisavam a gente que estávamos a cerca de 2400 metros de altitude.
A idéia era de não fazermos nada hoje, só um reconhecimento do terreno e descansar para a noite seguinte, quando faríamos o ataque o cume. Pela volta, os atrativos eram sempre as paisagens, e a gente podia mirar as nuvens láááá embaixo, nas baixitudes... Como o sol não tinha subido muito, dava prá tirar umas fotos legais e esperar pelo almoço, depois pelo café da tarde, depois pela janta. Esta foi a nossa rotina deste domingo.
Pela manhã ainda, um grupo de salesianos celebrava uma missa, cantando hinos numa calma constrantante com a gritaria da madrugada. A gente apreciava e jogava conversa fora... Estava gostoso ficar no sol...
Meio dia, hora de almoço, e a gente viu que tinha sido bom trazer um pouco mais de peso, com mais mantimentos e mais tranquilidade. Almoçamos salada de atum com maionese e pão sírio, e depois papeamos um pouco com o Rogério, um guia do Anjos da Montanha, que faz excursões por aquelas paragens. Conversa vai, conversa vem, e ele nos contou das guerrilhas que ocorreram por ali, dos aviões que caíram (tinha uns restos de fuselagem num canto...), das tempestades elétricas que assolam o lugar no verão e dos que se perderam por aqueles lugares. Estava divertida a conversa e o Eduardo e o Luizinho ficaram conversando mais com ele, enquanto eu fui puxar uma siesta.
A tarde já caía e a noite chegava rápido. Pausa prá tirar fotos com o entardecer, que estava belíssimo. Ficamos apreciando aquilo, até que fosse noite completa. O céu começava a nublar e o vento aumentando, deformava as pobres barracas...
Nem oito da noite e já estávamos todos nas barracas, esperando para acordar às duas da manhã para ir ao Pico da Bandeira. Tentamos conversar um pouco, mas com não estava tão frio quanto a noite anterior, logo adormecemos.
Segunda, dia 08
Duas da manhã! Duas da manhã! O Edu já com claustrofobia e a gente apreensiva com a subida. Todo mundo acordando e preparando a mochila de ataque, colocando mais agasalhos para a hora de chegar ao cume e num frio doído, de lanternas na cabeça e mochilas nas costas, fizemos fila junto com umas vinte pessoas (quase todas as que acampavam ali no Terreirão) e começamos a trilhar até o cume.
A gente mantinha distância suficiente para ver os que iam à frente e os que vinham atrás. A Rita estava enjoada e com cara de poucos amigos... Todo mundo com muito sono e muito cansado. Com o frio, as pilhas acabavam-se rápido e foram precisos dois jogos de pilha para cada lanterna.
Conforme a gente subia, uma neblina cada vez mais forte nos cercava e um vento insistia em entrar pelos menores espaços de nossas roupas. As mãos doíam de frio e a visibilidade baixava para no máximo dez metros.
Para quem subia com a intenção de ver o nascer do sol, pura decepção. A claridade aumentava, indicando que o sol estava por ali, mas o que mandava mesmo era aquela neblina espessa... Mas para quem veio curtir uma aventurazinha, era prato cheio! Estar a quase três mil metros, num frio congelante, e chegar a ver em meio à neblina o cruzeiro que marca o Pico da Bandeira é super legal... Chegamos com a claridade bem acentuada, mas o frio continuava. Curtimos a não-paisagem, tiramos algumas fotos com uma bandeira que a gente tinha trazido, porque Pico da Bandeira sem a dita é muito chato, e toca a descer, para lugares menos frios.
A neblina já tinha diminuído um pouco, mas o sol só foi nos saudar na metade do caminho de volta. Aí o visual era deslumbrante! Aquele visual que só a montanha proporciona, com o sol de manhãzinha, permtiia fotos sempre belas e a gente não economizou! Um silêncio gostoso nos cercava e não dava nem muita vontade de falar, só curtir o solzinho, o visual e o silêncio. Deitar na pedra e lagartear.
Cruzamos com o Makoto, um famoso escalador brasileiro que já vivera em Sorocaba, e andamos bastante até o Terreirão. As distâncias neste parque e as que pegamos na estrada traziam alguns momentos de tédio, de tanto andar e andar.
No Terreirão, combinamos de desmontar o acampamento e passar a noite na cidade, para sair logo de manhã de volta prá casa. Fizemos um café, tentamos conseguir uma mulinha que levasse pelo menos uma parte de nossa bagagem até o Tronqueira e passamos o resto do tempo a comer, conversar e desmontar campo.
Chegou por lá um casal, o Rodrigo e a Débora. De Brasília, vieram com o intuito de chegar naquele mesmo dia ao pico, mas as condições não permitiriam e eles teriam que voltar amanhã. Então ficaram por ali mesmo, jogando papo fora com a gente. O pessoal da redondeza fazia o mesmo. Era fácil puxar conversa com quem quer que fosse. Esta era decididamente a grande magia do local....
Duas da tarde, começamos a decida e chegamos por volta das quatro no Tronqueira. AS várias trilhas que víramos no primeiro dia, agora se explicavam: eram as mulas que iam fazendo trilhas paraleas à principal, de modo que, um pouco adiante, todas se juntavam prá depois separar de novo. Tudo prá dentro dos carros e fomos a Alto Caparaó, numa pousada chamada Vale Verde, bem aconchegante e, principalmente, com banho quente, coisa que não víamos há dois dias! Só aquela água dolorida de tão fria...
À noite, jantamos uma comidinha mineira soberba num restaurante (por sinal o único aberto ali) e cansados, voltamos e dormimos antes das nove da noite.
Terça, dia 09
Acordamos refeitos, depois de uma bela noite na pousada. Um café da manhã pecaminoso de tão gostoso e voltamos prá Sorô. Seriam mais de dez horas de viagem, mas a gente já podia dizer que só existiam dois lugares no Brasil mais altos do que onde tínhamos ido...











