Cunha/Paraty - pelas trilhas do ouro

12 a 15 de outubro de 2000

Quinta, dia 12

Desde a sugestão de uma viagem, durante uma sopa de mandioquinha promovida pela Rita, as sugestões de lugares se multiplicavam. A região era a Serra da Bocaina, mas o que iríamos fazer ainda estava indefinido...

O Luiz então chegou com a idéia de acamparmos em Cunha, entre Guaratinguetá e Paraty, num sítio de um amigo dele, onde a gente teria um prato bem variado de opções de aventura. Definido o local, começamos a ver quem vai, quem não vai, e quem foi: Eduardo Valente (myself), o Luiz, a Rita e o Eduardo Alvarenga, a Lígia, a Esli e o seu namorado Marcelo. Em três carros abarrotados de mantimentos e bicicletas, fomos preparados para o que desse e viesse.

Saímos manhãzinha de Sorocaba, meu Siena e o Strada do Eduardo, já que o Luiz tinha ido na noite de quarta para Pindamonhangaba e nos esperava lá. Dez e meia, mais ou menos, chegamos na casa dos pais dele e fomos logo tomando um cafezinho com queijo fresco. Lá mesmo encontramos o dono do sítio, o Celestino (que virou Severino, Clandestino, Valentino e outros inos...), que trazia rebocado em sua pickup um quadriciclo, para curtir as trilhas de Cunha.

E lá vamos nós! Chegamos em Cunha lá pelas onze e meia, ainda sem fome e rumamos para o sítio, cerca de vinte quilômetros da cidade. foi quando eu comecei a ficar preocupado com a saúde do meu carro, urbano e pesado demais para aquelas roubadas... Depois de algumas raspadas no assoalho, paramos no meio do sítio, sem saber ao certo onde acampar. Decidimos por um local perto de uma bica, com uma sombra gostosa de uma árvore a nos proteger do solaço que fazia...

Foi então que o cardápio começou a naufragar! O lanche do dia seguinte foi comido naquele momento, já que prevíamos almoçar na viagem e chegamos mais cedo que o esperado. Depois a gente se preocupava... Agora o importante era saborear os sanduíches de frango com clight de uva verde, com as devidas divergências a respeito do sabor...

Enquanto o Luiz e o Celestino, com suas armaduras de motoqueiros e quadricicleiros, iam para Cunha, curtir umas trilhas, o Eduardo começou a ficar impaciente, porque não conseguia ficar parado, e sugeriu uma investigação nas proximidades para encontrarmos tesouros como cachoeiras, belas vistas, etc. O final da roubada é que não encontramos nada e só o barulho de cachoeira numa mata que não demostrava sinal de permitir entrada, a nos provocar.

Meio frustrados, tentamos as bicicletas. Fui eu, o Du e a Rita, que por sinal acabava de descobrir que precisava pedalar nas subidas. Entre muita risada, o Luiz chegou e indicou prá gente o riozinho que tinha alí perto, onde podíamos entrar na água. Literalmente, entramos numa fria! O pé doía só de ficar na água e o banho começava a ser alternativa inviável, mas dava prá dar muita risada!

Quando o Celestino chegou, nos preparamos para dormir na Pedra da Macela, ponto culminante da Serra da Bocaina, com seus 1840 metros. Eu, que não posso ficar um acampamento sem arriscar uma roubada, queria ir de bike ao pico, estratégia fortemente desaconselhada pelo Celestino e pelo Luiz, mas qual o quê? Preparei as coisas e lá fui eu pela montanha afora, pedalando e me arrependendo...

O resto do pessoal tinha ido até à casa do Celestino para tomar banho e eu queria chegar antes de todos na tal Macela, mas a estradinha é triste! Dá uma vontade de chorar logo nas primeiras subidas, ainda de terra, onde se você bobear vai de cara nos pedregulhos do chão. E toca a subir!

Três quilômetros, disse o Luiz. Quase o dobro, constatei eu... Na metade, quando realmente começa a subida, começa um asfalto que só serve prá te dar falsas esperanças! Subida, subida, subida... Eu não queria dar o braço a torcer e mesmo com a perna em brasa não descia da bicicleta. Subida, subida, subida... O ciclocomputador marcava a espantosa velocidade de três quilômetros por hora, em seus momentos de pico! Subida, subida, subida... Não aguentei e faltando um quilômetro, comecei a empurrar a bicicleta. Subida, subida, subida... Até andando era difícil e foi uma satisfação imensa chegar ao cume, mais morto que vivo, tropeçando na língua (e nas orelhas de burro...), morrendo de sede.

Aí, o visual resolveu compensar o esforço: toda a baía de Angra e Paraty, a espetaculares mil e oitocentos metros abaixo! ainda eram seis horas da tarde e eu tinha cerca de uma hora de sol. Sentei numa pedra e fiquei a admirar aqueles abismos, com paredões gigantescos e um pôr-do-sol de um vermelho intenso, anunciando dia bom na sexta.

Sequei a caramanhola, e fui puxar papo com o Lourival, que tomava conta da retransmissora de Furnas, que ficava no mesmo monte. Ele me contou que já tinha trabalhado em Sorocaba, na década de 70, mas que não trocava Cunha por nada no mundo! Com o sol já baixo, o pessoal chegou, lá pelas sete da noite. Toca montar barraca, preparar a comida e perceber que havíamos esquecido um monte de coisa lá embaixo. Logística definitivamente não era o nosso forte. Teríamos que caprichar na improvisação...

A lua, imensa, cheia, surgia sobre a névoa que já se acumulava sobre o mar. As felizes luzes de Paraty e as tristes de Angra I e II brilhavam lá embaixo e a gente às voltas com o fogareiro que pifava e o fogão a lenha sem lenha. Depois de inúmeras tentativas, consertamos precariamente o fogareiro e acendemos, também precariamente, a fogueira, entre duas pedras que pareciam implorar para serem usadas como fogão.

Comemos de tudo: sopa de caneca para começar, macarrão com carne de panela para continuar e a chave de ouro veio com a linguiça assada. Lógico que ninguém mais aguentava comer mais nada e ficamos a falar besteiróis, dar muita risada e apreciar aquele lugar mágico, especial como poucos. Nem fria a noite estava. Uma brisa vinha de vez em quando, mas não atrapalhava. Lanterna era desnecessária, mas o violão não. E lá ficaram os oito a papear até quase meia noite, sem pressa de nada...

Cansados, mas sem vontade de dormir, foi cada um prá sua barraca e a quinta-feira acabou!

 

Sexta, dia 13

O que esperar de uma sexta-feira 13? Azar? Maus presságios? Infortúnios? Prá gente, que nem lembrava que dia era, foi uma celebração só! Acordamos às seis e pouquinho, a tempo de ver de um lado o sol nascendo e do outro a lua a se pôr. Magnífico! Fotos aqui e acolá, bons dias ainda espoucando e era hora da Lígia espoucar a garrafa de champanhe que ela tinha trazido, para comemorar o lançamento do catálogo da pesquisa de mestrado dela: “Conhecendo Árvores Nativas e Centenárias em Áreas Urbanizadas na Cidade de Sorocaba”, por Lígia Ferreira. Claro que ela deu um catálogo autografado prá cada um e aquele champanhe servido em copinhos de plásticos, acompanhado de rosquinhas, era de uma pompa que não se consegue em nenhuma cerimônia chique. Estávamos chiques no úrtimo!!!

Hora de desmontar campo e descer a montanha. Como eu viera de bike, a volta seria no mesmo estilo... Desejando ardentemente um amortecedor dianteiro, fui descendo a estradinha tortuosa, parecendo ter uma britadeira nas mãos. Mas estava ótimo, pelo menos não tinha que subir...

Desistimos de acampar no primeiro local escolhido e fomos para junto da casa do Celestino. Uma casinha branca de varanda, com uma cachoeira bucolicamente cercada de copos-de-leite. Legal mesmo. Aquele cenário de serra convidava para mais roubadas (ou indiaradas, com queiram...). Tomamos o café da manhã e resolvemos fazer um mini-canyioning, no riozionho.

Logo no início, andando na cachoeira, lá foi a Lígia com uma cara de assustada a escorregar pelo chão super-liso. Gargalhadas depois, prosseguimos. A água já não parecia tão gelada e a diversão era total. Mais de uma hora depois, chegávamos a uma cachoeira que indicava o fim da trilha. Cachoeira deliciosamnte gelada, a gente entrava em baixo e saía com uma sensação de calor esquisita. Todo mundo batizado, voltamos um pouquinho pelo rio e paramos num lugar com pedras maiores, para lagartearmos ao sol.

Estávamos nós, como calangos ao sol, quando de repente a Esli, num pulo, começa a gritar: Morango Louco! Morango Louco! Foi o gatorade sabor morango que, desalojado pela água, começava a correr pedra abaixo em direção a uma queda de seus três metros. O Eduardo só esticou o braço, pegou o maluquinho no pulo e jogou prá mim, que já não me aguentava de tanto dar risada com o escândalo da minha prima. A partir daquele momento, aquele lugar foi batizado como a Cascata do Morango Louco.

Voltando para o campo base, ainda deu tempo de ocultar dos outros uma cobrinha d’água, para que ninguém se assustasse. Não é que todos ficaram bravos comigo e com o outro Du, porque queriam ter visto a cobrinha? Mulheres, impossível entendê-las...

Descansa um pouquinho, toca um violão, recarrega as caramanholas, pega as bikes e vamos agora a uma outra cachoeira. Era a primeira vez que saíamos em conjunto com nossas bikes e nada mais apropriado para testarmos as marchas, os freios e as pernas para a descida de sábado. O problema é que a subida começou e o primeiro a bater pino foi o Marcelo! “É loucura”, resmungava ele, enquanto a gente vencia a subida até a cachoeira. Cachoeira esta à beira da estrada e por isto mesmo lotada de turistas, desde bikers rumando para Paraty até dondocas de salto alto pisando na água. Não sei o nome da tal cachoeira, mas ficou como Cachoeira da Farofa, que pareceu bem apropriado para o cenário geral.

Voltamos e já era tardezinha. Hora de montar as barracas, tomar um banho providencialmente trincando de gelado, e se preparar para comer na cidade. Nem precisa dizer que esta ida à cidade não estava prevista, né? Mas, de imprevisto em imprevisto, a viagem prosseguia gostosa, sem contratempos.

Ainda voltamos naquela mesma tarde à pedra da Macela, para tirar fotos do pôr do sol. Terminamos por batizar os três picos que dominam a pirambeira, tendo um deles um negativão de assustar escalador experiente, de Picos do M. Se você for lá, vai acabar concordando com a gente...

Jantamos num tal de Recanto Uruguayo, ao som de uma musiquinha chinfrim que tinha tanto a ver com o Uruguai quanto eu com a Sibéria. Enquanto comíamos uma empanada (esfiha uruguaia) com tortilla (omelete com batata uruguaio), escutávamos Juan Lennon e Pablo McCartney a tocar Yesterday em suas zampoñas e kenas... Acompanhados de comentários cada vez mais mordazes do Celestino!

Volta prá casa (barraca) e metade do passeio já tinha ido. Por que o que é bom tem mesmo que durar pouco?

 

Sábado, dia 14

Hoje era o grande dia! Todo mundo acordando cedo e preparando as bicicletas para a grande descida na serra... Jogamos as bikes em cima da pickup, despedimo-nos do Celestino que ia para o aniversário do filhinho, nos jogamos na caçamba e rumamos para o início da estrada de terra. Chegando lá, foto de início de descida, bikes preparadas, bikers nem tanto e toca descer a serra.

A estradinha, calma, é a mesma que eu descera com o Paulo às duas horas da manhã, sem estepe, para fazermos o checkout de mergulho em Paraty. Por isto mesmo, tinha um gosto mais especial, vencê-la com um veículo imensamente mais apropriado para trafegar ali. A estrada se tornava então, de uma beleza incomparável...

A gente descia um pouquinho, parava um pouquinho, descansava um pouquinho, fazia a contagem de seis um pouquinho (o Luiz vinha na pickup) e tornava a descer. Pressa era terminantemente proibida e assim foram os nove quilômetros e meio de estrada de terra, com pausas para deixar passar os carros cheirando a freio e embreagem.

Depois, ainda tinha uma boa parte já asfaltada. O que parecia que iria ficar chato, revelou-se uma descida deliciosa, com todo mundo curtindo o vento no rosto e tendo o silêncio quebrado somente pelo ronquinho do pneu das bikes no chão. E lá se vão mais treze quilômetros assim.

Pausas para lojas de artesões no meio da serra, para fotos em pontinhas de corda (que eu não tirei, pois, apressado, apostava corrida com um moleque...), enfim, para tudo que a preguiça mandasse.

Chegamos em Paraty duas horas e quinze depois, deliciados pela descida e já fomos procurar uma praia bem calma para ficarmos. Como é sabido, Paraty não tem praias, principalmente ali pelo centro e já que a gente não podia ir até Trindade (fica prá próxima...), por causa da polícia rodoviária, fomos até a praia de Jabaquara, pertinho dali.

À hora em que deparamos com a praia, a maré estava baixa e uma camada areia escura, quase mangue, dominava a paisagem. Ficamos em frente a uma barraquinha e meus olhos já grudaram em uns caiaques que pareciam ser para aluguel. Não me conti e fui perguntar o preço, já preparado para a facada. Qual não foi minha surpresa ao ver que a hora do caiaque simples era cinco reais e a do duplo, oito. Esperamos a maré subir e lá vai eu, a Lígia, a Esli e o Marcelo fazer a terceira parte do que se convencionou chamar de EcoNemTãoChallenge Cunha-Paraty. Guardadas as devidas proporções, certo?

Um hora de remo por um mar calmo, que prá completar apareceram algumas nuvens que espantaram o sol e permitiram uma navegação sem tostar a moleira... Refestelados de enfrentar o Mar em Fúria, e suas marolas de vinte centímetros, voltamos com uma fome de tubarão, decididos a comer senão uma Jubarte inteira, pelo menos uma cauda de baleia, acompanhado de fritas. Tinha fritas, mas tivemos que nos contentar com filé de cação...

Com o tempo virando e já cansados, a Rita e o Eduardo já estavam a quase dormir na cadeirinha de praia, resolvemos voltar prá casa. Todos em cima da pickup e toca prá Cunha! Depois de climbing, canyoning, mountain biking, caiaking, faltáva-nos inventar nossa própria modalidade: Caçambing de Pickuping! Existem duas modalidades: Velocidade (ventading trincanding de gelading) e Buraco (chacoalhanding de tal moding que precising ficar de péing). Desfilamos em carro aberto por uma serra, numa chuvinha fina e gelava que deixava a gente suando frio...

De repente, no meio de tanta chuva e nevoeiro, o sol aparece e as nuvens somem! Subindo tanto a montanha, a gente passa a camada de nuvens e parece que estamos em outro mundo. O pessoal de shorts e camiseta e a gente todo agasalhado e molhado, que nem naqueles sonhos esquisitos...

Chegamos ao campo-base e cada um arranjou uma coisa prá fazer: dormir! Eu fui tomar banho gelado, fazer a barba de três dias e tirar umas fotos no restinho de dia que tinha.

À noite, enquanto a Rita e a Lígia preparavam a comida, o Eduardo e o Luiz lutavam contra o monstro do banheiro, a Esli se encontrava num misto de exaustão e ameaço de insolação, eu e o Marcelo revezávamos no violão. Tudo na mais perfeita lezeira...

Depois da janta, mais violão. Agora com acompanhamento do Luís, que finalmente vencera o monstro do vaso, chamado por nós de Jason, que tomara conta da privada e não deixava nada passar. Somente depois de muita luta, água quente e desentupidores, finalmente Jason tombou, ou melhor, entrou pelo cano.

Um chazinho prá terminar, todo mundo pendendo de sono, só a Rita e o Eduardo dispostos a dormir em barraca (o resto dormiu na cas mesmo...) e o EcoNemTãoChallenge terminava sem perdedores.  A não ser o Jason...

 

Domingo, dia 15

Último dia... Todo mundo acordou tarde para o padrão local, ou seja, oito horas da manhã! Tirei algumas fotos do local, tomamos um café da manhã tão demorado que quase virou almoço, carregamos os carros e rumamos para casa. Pensamos em dar uma paradinha em Cunha, mas tudo estava fechado, então fomos direto embora...

Nada de congestionamento, nada de stress, voltamos tranquilos, uma paradinha providencial no McDonalds de Alphaville e quatro horas da tarde já estávamos em Sorô, prá descansar desta aventura e já maquinar a próxima...

Opinião unânime de quem foi: Cunha ainda entra prá valer no mapa das aventuras. Pode anotar!