Caminho de Santiago • Pedalada Número Cinco • São Pedro de Compostela

De Logroño até Santo Domingo de La Calzada, num trajeto de 49,14 km, numa média de 13,2 km/h, com variação de altitudes desde 400 m a 700 m.

Deixar Logroño com destino a Santo Domingo de la Calzada era imperativo, mas bem que a gente gostaria de ter passado mais um dia ali, aproveitando o lugar. Fazia sol às dez e meia da manhã, mas não nos iludíamos pois a previsão do tempo era chuva, chuva e prá variar, frio!

Fui com a Malena e o Paulo Sérgio desta vez. Numa espécie de comboio, revezávamos na frente, porque um vento chato, chamado de rompepiernas baixava a sensação térmica e principalmente, fazía-nos dispender muito mais esforço para pedalar. E a pedalada não rendia! A média de onze por hora mantinha-se no plano e era meio frustrante, mas logo passamos por Navarrete e rumamos pela carretera até Nájera, para almoçar.

Em Nájera, esperamos pelo Diniz, que foi o próximo a chegar e depois o João e o Paulinho deram as caras. Das meninas, nada! Nájera, que já foi capital de Navarra até 1076, hoje é uma cidade meio com cara de abandonada, ou melhor, de abandono ao Caminho. Peregrinos a pé acabam pernoitando aqui, mas a gente não deu muita bola prá ela, não...

Saindo de Nájera, fomos todos pelo próprio Caminho, que permitia a pedalada, sem muitas dificuldades. Dificuldades estas que eram previstas vindo de cima, pois o céu estava cada vez mais carregado. Do sol, nem sombra...

Poucas eram as localidades até Santo Domingo, duas que mereçam citação são Azofra e Cirueña. Em Cirueña, o único bar que existia fechou-se por não ter quem passasse lá. Todos os olhos estão em Santo Domingo, seis quilômetros à frente.

Para qualquer lado que olhássemos, havia chuva... Aqueles paredões cinza que vemos no céu, com aspecto realmente ameaçador, ficavam a nos rodear. O comentário entre nós era de que "no próximo morro, a chuva pega a gente!", diante da inevitabilidade da tempestade. Pois a gente foi subindo morro, descendo morro e as nuvens bufavam ao nosso lado. Onde a gente passara meia hora antes, era agora um dilúvio. Meia hora prá frente, outro dilúvio. Onde a gente estava, seco, ou no máximo, uma garoazinha fraquíssima. Eu não sou católico, mas estava realmente tentado a acender uma vela prá São Pedro, só prá agradecer a forcinha... Em vez disso, comecei a chamá-lo São Pedro de Compostela.

E foi assim até Santo Domingo. Chegamos na cidade e o Cláudio, que encontramos por lá, estava bravo por ter pego tanta chuva e a gente sequinho... Ficamos neste dia num hostal e só o Paulo e a Malena que preferiram o Parador. Quando o João e o Diniz foram procurar o tal do Parador e pediram informação para um velhinho na rua, ele quase que gritava: "Não vão lá! É muito caro!". De nada adiantava os dois tentarem explicar que só queriam saber onde ficava. "Muy caro", não valia a pena. E era caro mesmo: 150 dólares! A Malena e o Paulo sentiram-se o casal real!

Como precisava trocar dólares em pesetas, saí a passear pela cidade. Fui num supermercado comprar provisões, troquei o dinheiro, comprei mais postais, carimbei minha credencial, comprei pins de Santo Domingo, entrei na igreja prá ver as galinhas e divertia-me com o jeito caipira daquela cidade, que falava como que parecendo que tinha alguma coisa na boca. Na maioria das vezes, tinha mesmo!

Santo Domingo de La Calzada tem uma das mais conhecidas lendas do Caminho. Como diz o versinho: "Santo Domingo de La Calzada, donde cantó la gallina después de asada!". Diz a lenda que um casal de peregrinos e seu filho jantavam na cidade, quando uma garçonete, fula da vida porque o rapaz não dava a mínima bola prá ela, pôs uma taça de prata na sua mochila e disse que ele era ladrão. Julgado, condenado e enforcado, os pais recebem uma mensagem divina de que seu filho ainda estava vivo e estava mesmo: sustentado pelo santo.

Os pais correram a avisar ao prefeito que seu filho vivia e era inocente, ao que o homem falou: "Seu filho está tão vivo quanto esta galinha que estou comendo!". No mesmo instante a galinha pôs-se em pé e cantou! O João me disse que esta lenda vinha de outro galo, mas quem levou a fama foi esta cidadezinha, cheirando a urina em algumas ruas, com bandeirinhas nas praças e galinhas em seu templo.

As meninas chegaram mais tarde, como de costume, depois de alguns de nós terem ido à missa e quase à noite. Pegaram toda a chuva que o Pedrão desviou da gente... Bem feito! Quem manda não ter moral com o home?

Jantamos num restaurante bem bonito, onde o Paulinho tentou pedir arroz para acompanhar o peixe, mas a garçonete entendeu alho (áho) e entupiu de alho sua comida. Acho que meio tubo de pasta de dente foi gasto depois desta refeição... Como não tinha muita coisa para se fazer nesta cidade, fomos para o hostal, onde papeamos até o sono mandar a gente calar a boca e dormir.