Brotas/SP - das aventuras, a Meca caipira...

02 a 05 de novembro de 2000

Quinta, dia 02

“Oi Du! Vai fazer alguma coisa no feriado? O que acha deste roteiro da Pisa?”

Com este convite da Fernanda, começava minha incursão a Brotas, no interior de São Paulo. Já fazia tempo que eu pensava em ir prá lá e também fazia tempo que eu e a Fer tentávamos marcar alguma coisa juntos. Enfim, Brotas era a desculpa da vez...

Oito da manhã, na estação Vergueiro do metrô, um pessoal já ali: a Daliana e o Antônio, a Lúcia e a Mayara. De repente, chega a Fernanda e, depois de ficar desde julho de 1999 só se correspondendo por email, a gente se reencontra e fica a esperar o resto da galera que não tarda a chegar: O Edson e a Sueli, o Rogério, a Fabíola, a Janaína, o Maurício, a Vanessa, o Daniel, além dos guias Maurício e Isval. Em Campinas, ainda pegamos a Natália, o Sidnei e a argentina Roxana...

Por volta de meio dia, chegamos em Brotas, na Fazenda das Palmeiras, nosso campo-base pelos próximos quatro dias. A juntar-se com a gente, o Ricardo e a Kátia, que já estavam lá.

Prato do dia: rafting! E lá vamos nós adrenalizar no Jacaré-Pepira, o rio que mesmo baixo, permitia muitos sustos e risadas.

A boa e velha explicação... Como remar, posições do rafting (esquerda ré! posição! frente!), como levar um capote digno, como jogar água no barco ao lado... No nosso bote, além de mim e da Fer, ainda estavam a Lúcia e a Mayara, capitaneados pelo Eduardo (Du), o barqueiro. Na hora de escolher um grito, o óbvio foi “Mamãe!!”, já que era a única coisa que conseguiríamos gritar durante o trajeto e a gente ainda tinha a desculpa da Mayara ter doze anos e ser filha da Lúcia...

No começo, tudo errado. O barco não correspondia, a gente errava os comandos, mas antes da primeira queda já estávamos afiados! E lá vai uma, duas quedas, uma corredeira, uma guerra de água com o barco ao lado, muitos e muitos encalhes.

Paramos para beber um pouco de água... eu disse pouco? Dá uma sede imensa raftar! Foi um mundaréu de água o nosso reabastecimento... E vamos em frente, que atrás vem botes com muita gente...

Um momento para o surf... e não é que a gente conseguiu? Ficar no refluxo da corredeira, com o barco corcoveando que nem cavalo bravo? Legal demais! E mais e mais corredeiras e quedas. Teve barqueiro caindo e teve a Fabíola como hour-concours das quedas artísticas. Que papelão...

No nosso barco, dois fatos memoráveis: o primeiro foi a Mayara, que tinha pulado do barco para nadar,  sendo içada pelo Du tão forte, que quase cai pelo outro lado do barco. O segundo fato foi a impressionante quantidade de vezes que a Lúcia escorregava e caía no piso do barco. Era só mencionar “pedra!” e lá ia a mamãe barco abaixo...

Fim de tarde, fim de brincadeira. Pegamos um ônibus e voltamos para a fazenda. Cansados, mas felizes por tanta diversão proporcionada por um botinho de borracha.

Jantar tranquilo à noite, todo mundo cansadão, toca correr e ocupar as redes que ainda restavam e jogar conversa fora até o sono imperar. Um stresssss.....

 

Sexta, dia 03

Sete horas e o Isval já chamava à porta do nosso quarto, com seu bom-dia de sotaque indefinido. O tempo claro prenunciava mais um dia cheio de aventuras. Mas a gente não esperava tanto...

O dia de hoje era para o canyoning, só que era canyoning mesmo e não somente rappel em cachoeira. Iríamos percorrer o rio, andando pelo seu leito e rapelando quando surgissem as quedas maiores.

Esta mini expedição era liderada pelo Jean-Claude, um francês já abrasileirado que está começando estas atividades em Brotas. Junto com outros guias, como o Brasil e a Vivi, levava a gente a encarar o Rio do Peixe.

Uma explicação do uso do equipamento de rappel, a utilidade da cadeirinha, do freio-oito, do mosquetão, do auto-seguro, e a tentativa de fazer com que todos confiassem o máximo possível no equipamento já estava deixando alguns apreensivos e outros à beira do pânico.

A festa ia começar. Primeiro um rappel (mais ou menos) seco, de seus oito, dez metros, pro pessoal acostumar. Depois um pequenininho de cinco metros prá embalar e depois... bem... depois tinha o tal do rappel guiado...

Consistia em descer uma cachoeira grande, de seus vinte e poucos metros, utilizando além da corda onde a cadeirinha ia presa, uma outra, guia, onde iríamos pendurados pelo auto-seguro. Definitivamente era alto. Já era hora de almoço e todo mundo nem aí com a fome. A angústia da espera aos poucos era substituída pela adrenalina da vez da gente, quando num impulso, ficávamos suspensos e ao nosso lado uma queda belíssima e abaixo, bem abaixo, de nós um lago marrom. A gente atravessava este lago e ia por os pés no chão só do outro lado, no seco. Legal à beça!

E toca andar pelo rio, tentando dar o mínimo de escorregões e topadas nas pedras limbentas... Ao longe a gente via o pessoal parado e não dava prá ver onde o rio continuava. Ele continuava mais de trinta metros abaixo, para nosso desespero...

Hora do rappel mais radical. À beira da queda de trinta metros, todos, sem exceção, mostravam certa apreensão em encará-la, mas como a aventura outdoor não tem botão de liga-desliga, era prá baixo que a gente ia. Quer dizer, menos a Daliana que resolveu voltar e encarar as escadinhas de corda...

A descida começa com algumas pedras, todas totalmente lisas, alguns trechos de negativo onde a gente ficava literalmente suspenso pela corda e uma cachoeira rugindo ao nosso lado. Conforme a gente desce, a dita-cuja vai se espalhando e de um ponto prá baixo, você leva muita água na cabeça. As fotos impressionam e é aquilo mesmo, diferente do rafting, que a foto aumenta a corredeira...

Chegando lá embaixo, você cai num laguinho, onde alguns já estavam meio sem ânimo para chegar no seco. O Maurício fazia questão de recepcionar e levar a todos para baixo da cachoeira, numa ducha monstruosa.

A partir daí, a gente segue pelo rio, por mais de hora e meia dando topadas e escorregões, risadas e sorrisos amarelos, até sair da água. O dia já estava indo embora e nada de chegar. A Vivi confundiu o caminho e ficamos mais uma meia hora na mata, com milhares de borrachudos querendo tirar uma casquinha. Repelente valia mais que ouro ali! O stress estava começando a rolar, mas a gente contornava.

Quase sete horas da noite e a gente saiu dali, cansado, mas admirados do montão de coisa que aquele passeio tinha proporcionado. Quem não foi, perdeu, porque é diversão de primeira. Prá terminar, uma rodada de cerveja e refri para brindarmos o feito.

Depois da janta, fomos a Brotolândia para tomar sorvete, considerado pelos locais como o melhor do estado. Realmente era gostoso e ficamos um tempo na pracinha e nos divertir com um cachorrinho que gostava de sorvete de chocolate, mas não do de maracujá...

Volta prá fazenda e cama! Porque o dia tinha sido beeeeeem longo e as energias precisavam ser repostas...

 

Sábado, dia 04

Como a manhã era livre, o pessoal tinha combinado de ir até às Areias que Cantam, mas eu e a Fê não estávamos a fim e ficamos na fazenda mesmo.

Enquanto a Fernanda tomava seu banho de sol, resolvi conhecer a Fazenda Pinheirinho, que distava menos de dois quilômetros de onde a gente estava. Peguei a pochette, a câmera e o boné e botei o pé na estrada.

É sempre bom ter uma horinha numa viagem pra ficar sozinho. Fazer seu tempo e seu rumo. É ao mesmo tempo um momento de reflexão e desafio. Fui caminhando despreocupado, com a passarinhada fazendo uma algazarra dos diabos e todos os bois, sem exceção nenhuma, me acompanhando dos currais com os olhos pregados em mim. Lembrei-me de Hitchcock... E apertei o passo.

Cheguei na fazenda, paguei os três reais e peguei a trilha das cachoeiras. No meio do caminho, um casal que passava de carro me ofereceu carona e nem hesitei. Ganhei uns cinco minutinho nesta... Agradeci aos dois e toquei para a trilha onde os carros já não passavam.

A primeira das cachoeiras foi a do Martello. Por uma trilha curtinha, cheia de borboletas, chega-se à queda de cinquenta metros que impressiona pela beleza e pela delicadeza de ser tão grande e estar meio que escondida. Precisei de duas fotos para a cachoeira inteira. Brinquedo para juntar depois da revelação...

Segui pela outra trilha e cheguei à cachoeira Primavera. Menor que a outra, mas igualmente bela. É impressionante como tem cachoeira por estas bandas. Disse o Isval que é por conta do relevo peculiar da região...

Voltei e dei uma paradinha na sede da fazenda para tomar um suco de laranja e prosear com o dono da fazenda, que me falou dos planos futuros de construção de piscina e outras benfeitorias. Dentro em breve, teremos rappel na cachoeira do Martello. Prometi que voltava...

De volta à Fazenda das Palmeiras, encontrei a Fê ainda na beira da piscina. Ela já tinha lido toda a revista sobre Brotas, entrado na piscina, saído, entrado de novo e o tempo custava a passar. Entrei na piscina, saí, entrei de novo, tornei a sair. O sol começava a machucar e corremos para as redes, à sombra. Curtimos uns papagainhos que faziam um escarcéu tremendo, cochilamos, acordamos e nada do pessoal chegar. O estômago começava a dar mostras de impaciência e foi só lá por uma da tarde que a galera voltou.

Almoço e toca para o ônibus para fazer uma caminhada e conhecer mais cachoeiras...

De cara, a gente entrava pela mata, ainda num trecho plano, que logo não estava tão plano assim. De repente, o guia (Jô) nos avisou que dali prá frente começava a descida e mesmo com cordas a trilha era agressiva. Mas fomos, um ajudando o outro até chegar na cachoeira, a mais bonita que eu tinha visto. com cerca de trinta metros, ela se dividia em milhares de cursos e formava como um véu. Tinha dois rapeleiros descendo a dita e a gente ficou vendo e babando.

Toca voltar e a subida era a mesma descida que a gente tinha feito. Deu prá ver uns macacos-prego que perambulavam por ali e prá variar, muitas borboletas, inclusive uma azul grandona que deu um baile em mim, que fiquei sem conseguir fotografá-la.

Na fazenda Barcelos, o final da trilha era comemorado com um excelente café colonial, com uma fartura prá guloso nenhum botar defeito. Nos empaturramos, já que o Isval falou que hoje à noite só tinha lanche...

Voltando pro “campo-base”, o pessoal se dividiu entre os que queriam ficar na piscina (e lá foram eles), o pessoal que queria ficar na rede (e lá foram eles também) e o pessoal que queria bater uma bolinha (e lá fomos... nós!).

Um campinho de areia grossa, que permitia tudo, menos jogar futebol dignamente, preencheu hora e meia de nosso tempo com muita risada, pouco futebol e nada de técnica. Sinceramente, não lembro se alguém ganhou o jogo.

Enquanto isso, outro pessoal foi à cidade comprar material para um churrasco. Terminamos o jogo, alguns prá piscina, eu fui tomar um banho e depois chegou a Fê e a galera que foi à cidade com um monte de carne e um inusitado autógrafo do Daniel (aquele cantor sertanojo...), num pacote de linguiça. A Daliana queria morrer, porque não tinha ido junto. A Mayara não se conformava em ter ficado jogando bola enquanto seu “ídalo” estava distribuindo autógrafos na Brotolândia. Depois de todo mundo acreditar, o pessoal revelou que houve até concurso para ver quem fazia a assinatura mais próxima da do Daniel e não é que a Fernanda ganhou? Pois é... Se entrega, cafona!

Churrasco gostosão, comemos e papeamos, cantamos Parabéns prá Você pela enésima vez prá Sueli, e ainda não foi neste dia que comemos o bolo. Ficamos a papear até altas horas, ouvindo os causos do Sidnei e o Antônio não perdendo a mínima chance de pegar no pé dele. O mais comovente foi a cachorrinha que pariu em seu colo. De acordo com as más linguas (leia-se Antônio), o Sidnei nunca se sentiu tão mãe assim...

Prá lá de uma da matina fomos dormir, com o pensamento na cavalgada do domingo...

 

Domingo, dia 05

Acordamos cedo, isto é, o mesmo horário dos outros dias, mas parecia mais cedo. Também, pela hora que dormimos...

Tomamos café e lá fomos de volta à Fazenda Barcelos, onde um monte de cavalos nos esperava, nem um pouco ávidos pelo passeio. Chegando lá, cada um começou a escolher os cavalos e eu, que nunca tinha cavalgado, escolhi uma eguinha meia boca, de nome código A2, que apelidei de Egua Mille, com câmbio automático. Tinha provavelmente três marchas: devagar, quase parando e imitando lesma. Raramente resolvia andar um pouco mais rápido e meu “equipamento de sentar” doía cada vez mais a cada sacolejada. Logo na saída, a A2 foi para junto do grupo dela... que estava no curral! E lá fiquei eu, pagando mico, até que o peão Antônio veio tirar a mardita daquela situação...

Continuando a cavalgada, a gente andou por estrada de terra, prá logo depois pararmos, descermos do cavalo e conhecermos uma cachoeira muito bonita (prá variar...) e voltarmos à cavalgada. Entramos por uma trilha mais fechada, onde os cavalos fizeram um rallyzinho e chegamos a mais uma construção abandonada. É incrível como muitas casas estão neste estado, surgindo no meio do nada, denunciando um passado próspero que deve ter havido por aquelas bandas.

Novamente apeamos, e enquanto um pessoal resolveu não descer para a última cachoeira, a Janaína providenciar uma torcida de pé e a Vanessa resolver ajudá-la, a gente desceu assim mesmo, por uma trilha que era de longe a mais íngreme de todas.

Descemos ziguezagueando pelas encostas e setenta metros abaixo encontramos o riozinho. Como precisava cruzar o rio para chegar à cachoeira, e eu não queria, fiquei fazendo macaquices para passar de um lado ao outro do rio sem se molhar. Consegui, mas foi pauleira!

Na cachoeira, além do guia Antônio, estavam eu, o Isval, o Rogério, o Sidnei e a única representante do sexo feminino, a Lúcia! A cachoeira era, como gostei de definir, estúpida! Caía de trinta metros sem empecilhos, com uma força que fazia arco-íris entre a gente e o chão. Chegando perto, não era possível virar o rosto para ela, porque parecia que estávamos num túnel de vento chuvoso. Impressionante! A única cachoeira que o Isval não conseguiu entrar embaixo!

Volta aos cavalos, e o pessoal já impaciente com a gente. Resolvi subir correndo e me arrependi amargamente, com a perna a pegar fogo e ameaçar cãimbra. Os cavalos já cansados e minha eguinha com o freio de mão puxado, que eu não tinha a mínima idéia de onde se encontrava.

Na volta, almoçamos na mesma fazenda do café colonial, e a fartura continuava. Comemos bastante e já se notava a tristeza em todos, porque o passeio estava acabando.

Depois do almoço, voltamos ao campo-base, arrumamos as coisas, entramos no ônibus e voltamos a Sampa. Durante a viagem, ainda deu prá dar muita risada e alguns cochilos. Nada do congestionamento esperado, o que foi bom...

Despedimo-nos de alguns em Campinas e chegamos oito e pouco em Sampa. Me despedi de todos e fui pegar o metrô até a Barra Funda, para voltar de Cometa à minha cidadezinha...

Brotas é assim: arranje a desculpa que quiser, mas vá! Poucos lugares são tão próximos e tão ricos em aventura. E se precisar de desculpa prá voltar, fale comigo, que eu arranjo...