- Aventura
- Diário de Bordo
- Angra do Reis/RJ – Um Salto No Escuro
06 a 08 de setembro de 2001

Quinta, dia 06
Sabendo que o feriado prometia grandes congestionamentos, convenci meu chefe a me liberar depois do almoço e às três da tarde a Marília, de Boituva, passava em casa para irmos até Paraty, onde estaria nos esperando o resto do pessoal.
Por Campinas ou por São Paulo? Resolvemos arriscar o último e como castigo, duas horas de congestionamento na capital. O trânsito após Taubaté era intenso e descíamos pela Oswaldo Cruz já vendo as gotinhas de chuva se chocando no parabrisa. Depois de tanto sol, justo hoje ia chover???
Ahn? O que afinal de contas era esta viagem? Pois não! Tratava-se de uma saída para mergulhar, no regime chamado liveaboard, que é quando você come, dorme e, enfim, vive dentro do barco por mais de um dia. Satisfeito?
Chegamos em Paraty prá lá de dez horas da noite e só o Kiko e o Ângelo estavam lá. O resto do pessoal ainda enfrentava as estradas e a chuvinha fina que caía. Fomos apresentados ao capitão da escuna Canopus, o Narciso. A tripulação era ainda composta pelo Otávio e o Maycon (que eu não sei se é assim que se escreve...). Faltavam chegar ainda o Fábio e a Luciana, o Márcio, a Fernanda e o Timpanari. A gente nem chegou a vê-los aquela noite, porque era quase uma da manhã e todo mundo estava morrendo de sono. Estendemos as nossas camas no convés e um ventinho gelado e de vez em quando umas gotinhas de chuva nos incomodavam.
Sexta, dia 07
Acordei no dia da independência vendo que o tempo não melhorara em nada. Um frio chato e a previsão de três horas de viagem de barco até Angra num mar não tão calmo não permitiam um café da manhã exagerado. Bem, não era isto que o pessoal estava fazendo. Comeram bastante e depois que o mar reclame a parte dele. Então, tá...
Não tem muita variação de ondas até passar a Ilha dos Meros, ainda em Paraty. A partir deste ponto, perde-se a proteção das ilhas e as ondas começam a aumentar. E tome chacoalho! O pessoal tomava Dramin e deitava de barriga prá cima. De vez em quando o mar pedia a parte dele e trato feito é trato feito! Entre mortos e feridos, todos se salvaram, alguns menos honrosamente, mas todos prontos para mergulhar na Lage do Matariz, onde o helicóptero do dono do hotel Glória está submerso desde 1998.
A água estava boa, mas nada de encontrar o tal do helicóptero. Provavelmente tinha sido arrastado, pelo seu relativo pouco peso e estaria algumas dezenas de metros de onde achávamos que estaria. O mergulho valeu para a aclimatação à água e para eu e a Luciana, que fazia o checkout avançado junto comigo, testarmos o comunicador sub que o Kiko tinha trazido. O Kiko usava uma máscara full-face (de rosto inteiro) e conseguia se comunicar com a gente. A gente usava uns fones de ouvido de um lado só que eram acoplados à mascara de mergulho. Pode-se ouvir perfeitamente e era divertido escutar enquanto os outros mergulhadores só se comunicavam com gestos. Um frade indicado pelo Kiko e a gente já saía a procurá-lo, mesmo sem ter visto nem sombra do peixe.
Depois de trinta e cinco minutos a profundidades de nove a quinze metros, voltamos à escuna e era mais que hora de almoçar. Na verdade sanduíches, para o estômago não reclamar muito. Como a fome era imensa (mergulhar, comer, mergulhar, mergulhar, comer, mergulhar, descansar, mergulhar, comer, né Timpa?) os sanduíches e as bolachas foram rapidamente devorados e no final da tarde era hora de mais um mergulho.
Desta vez, o mergulho era no mesmo local onde mergulharíamos à noite. Seria para reconhecimento e para um pouquinho de treino de orientação. O ponto escolhido foi um pier já velho, abrigado, onde a profundidade não era muita, chegando no máximo a dez metros. A idéia era passear um pouco pelo fundo, localizando pontos que pudessem ser reconhecidos à noite. A vida aqui era mais abundante que a do primeiro mergulho, e deu prá ver alguns caranguejos-aranha, uma moréia, muitas estrelas, alguns peixinhos e vários voadores. A grande dificuldade deste mergulho residia nos momentos em que a profundidade não ultrapassava três metros. Daí prá cima era só um pulinho. Ficamos cerca de quarenta minutos ali e voltamos ao barco, só para esperar escurecer.
A noite foi chegando e a adrenalina aumentando... E testa lanterna aqui, testa sinalizador ali. Todo o equipamento verificado quinhentas vezes, todo o plano de mergulho combinado: iríamos numa direção por dez minutos e voltaríamos. Plano simples este, não?
Fui o primeiro a pular na água. Agora tinha a experiência do que era um salto no escuro. Literalmente. Apesar de raso, não conseguia ver o fundo da superfície e só esperei a Luciana pular para irmos até a corda, com uma luz estroboscópica, para iniciarmos o mergulho...
A adrenalina sobe até o momento que você começa a descer. A partir daí, a curiosidade toma lugar e todo aquele mundo novo se exibe para você. O mergulho noturno, desde que feito com visibilidade boa, é fascinante! Como seu campo de visão é limitado pelo facho da sua lanterna, você presta muito mais atenção. No mais, havia pouca diferença com relação ao diurno, com exceção de alguns baiacús que apareciam e insistiam em brigar com a lanterna do Timpanari e um pneu que eu não tinha visto de dia. A vida aumenta um pouco, mas talvez pela noite estar apenas começando, os habitantes não tinham modificado tanto...
Dez minutos depois e os quatro fantasmas começam a voltar. A visão de um mergulhador à noite é estupenda: são luzes acompanhando uma silhueta humana, algo a ver com filmes e fantasias. Seguindo as pedras da costa, acabamos por nos afastar e o Kiko ficava do barco a tentar sinalizar para nós com uma lanterna. Aquela luz que aparecia e sumia chamou nossa atenção e ao chegarmos numa espécie de ninho de peixes voadores, dada a quantidade, resolvemos subir. Saímos a dez metros da escuna e voltamos a bordo, do nosso salto no escuro.
Hora da janta! Procuramos um lugar mais abrigado e o Narciso preparou um churrasco em plena escuna, com uma churrasqueira especial que é presa na amurada da embarcação. Legal mesmo! O tempo dava sinais de melhora e algumas estrelas até se animavam a sair.
Dormimos cedo, devido ao cansaço, em frente à praia do Sítio Forte, mas por volta da meia-noite um vento muito forte começou a brincar com a escuna e ela, que estava ancorada, ficava descrevendo semicírculos sem parar. O continente corria feito louco aos olhos de um sonolento mergulhador.
Sábado, dia 08
O dia prometia e cumpriria. Sol à vontade! Acordamos e já nos preparamos para o café da manhã. Depois de nos empaturrar e ficar admirando um belo iate que nos fazia companhia a cerca de duzentos metros, começamos a preparar o próximo mergulho. A plataforma de petróleo que estava sendo rebocada no dia anterior tinha sumido. Agora era hora de conhecer um naufrágio.
O cargueiro Pinguino naufragou em 24 de junho de 1967, na enseada no Sítio Forte, depois de um incêndio a bordo. Está deitado de estibordo a uma profundidade máxima de 20 metros. Como está quase inteiro, pode-se conferir todo seu casco e ter noção de como ele era. Sua fase atual é de desmanche, o que desaconselha a penetração. Mesmo assim, por sua volta já é bem divertido.
Nossa prova do dia era desenhar o navio e anotar sua orientação. Como a visibilidade era muito boa, deu prá circundar o navio e só então começar a fazer anotações. O Kiko, com seu comunicador, continuava querendo cantar Marcelo Rossi e eu ficava procurando onde a pilha do fone de ouvido ficava... Brincadeiras à parte, foi um mergulho realmente legal. A visão do seu casario, do leme e sobretudo do fundo do seu casco leva-nos a imaginar quem já andou por ali, a tripulação abandonado o barco e o capitão às voltas com as companhias de seguro.
Após quase quarenta minutos se divertindo, com um cardume de sardinhas as nos fazer companhia, voltamos à superficie e à escuna. Era hora de rumarmos até Parati, para fazermos o quinto e último mergulho e voltarmos para Sorocaba.
Foram mais três horas de viagem. O mar bem mais calmo que no dia anterior, o sol forte, fez todo mundo correr para a proa e lá ficar por um bom tempo curtindo a bela paisagem da região. Dava prá avistar a pedra Macela, em Cunha, onde ano passado eu tinha passado uma noite. Passamos bem perto a um petroleiro e aproveitamos para tirar algumas fotos.
Cerca de uma da tarde chegamos à Ilha dos Meros, onde faríamos o mergulho. Nossa missão: orientar-se sob as águas de uma bóia à outra, utilizando-se de bússola e técnicas de medir distância. As bóias estavam a cerca de vinte metros uma da outra e como a visibilidade não era muito boa, precisaríamos estar próximos da boia para vermos. Podíamos passar a cinco metros de distância e não ver a poita...
Mas foi tranquilo e primeiro eu fui na bússola e a Lu foi medindo a distância. Voltamos à boia inicial e refizemos o percurso, com a Lu na bussola desta vez. Sem mais nada prá fazer, indicamos à superficie que chegáramos na boia, puxando-a com muito gosto e passeamos um pouco lá embaixo, a dez metros de profundidade. Ficamos pouco tempo, uns vinte e cinco minutos, porque não tinha muito para ver e ao subirmos vimos o Kiko divertindo-se com o scooter, aquele torpedinho que propulsiona você sob as àguas.
Fim de mergulho. Hora de almoço! Um estrogonofe dos bons (mergulhar, comer, mergulhar, mergulhar...), com direito a sobremesa de danone de chocolate e rumamos para o Porto Paraty. Chegamos por volta das quatro e meia e depois de despedirmos dos três, voltamos para Sorô, com um baita de um congestionamento entre Paraty e Ubatuba. Meia noite e já estávamos em casa, prontos prá outra.
O saldo extremamente positivo de um naufrágio e um mergulho noturno me fazem aguardam ansiosamente a ida a Abrolhos, em outubro. Lá, mais um naufrágio e mais saltos no escuro me esperam. Além das baleias, é claro.



