Caturro 2008 - 04 - Expedição Ribeira–Iporanga

20 a 22 de março de 2008

Participantes: Paulo Kuntz ( Canoa canadense – Companhia de Canoagem ), Linilson ( Caiaque )

Esta segunda investida para completar a descida do rio Ribeira entre a cidade de Ribeira e a cidade de Iporanga aconteceu entre os dias 20 e 22 do mês de março de 2008.

Como sempre a logística nos obriga a alguns exercícios mentais e neste caso em especial, o problema é maior porque a distância via terrestre entre as cidades é grande e o acesso difícil, sendo que uma grande parte ainda é percorrida em estradas de terra e, para apimentar, uma estrada precária e mal sinalizada.

Resolvemos isso da melhor maneira possível, contratando um motorista em Apiaí, cidade situada entre as duas. Encontramos o Sr. João no ponto de táxi da cidade, aliás, ele também é taxista, e ali mesmo resolvemos com o dono de um posto de gasolina próximo que deixaríamos o carro estacionado por lá enquanto remávamos.

O Sr. João nos acompanhou até a cidade de Ribeira, onde iniciamos a expedição, e retornou a Apiaí com o compromisso de esperar um contato nosso no domingo, quando pretendíamos sair do rio em Iporanga, aí então ele nos encontraria por lá para retornarmos.

Logística resolvida vamos ao que interessa. A expedição!

 

Como eu tinha constatado na primeira tentativa, a expedição somente poderia ser realizada com sucesso com a presença de mais um participante, porque algumas portagens somente seriam realizáveis em dupla.

Conclusão que se mostrou acertada desde o início. Além do apoio físico e da segurança que um outro remador pode oferecer, ainda existe o apoio moral, que neste caso é imprescindível, em face da enorme quantidade de obstáculos a serem transpostos.

Entramos no rio por volta das 15:00 hrs da quinta-feira, após muito procurar um ponto de acesso. Como pode uma cidade ter o mesmo nome do rio e não existir nenhum acesso entre a cidade e o rio?

A impressão que fica é a de que se eles morassem longe do rio não haveria diferença. Nem quando perguntamos a alguns moradores eles sabiam dizer onde era o melhor lugar. Somente um nos informou um ponto de acesso e mesmo assim, o lugar não podia ser considerado como tal.

De qualquer forma lá fomos nós Ribeira abaixo e cheios de expectativas quanto às dificuldades. Uma chuva forte coroou nosso início, como para mostrar que nosso futuro seria, no mínimo, molhado.

Pegamos algumas corredeiras simples, que assim se mostraram porque o rio estava cheio, bem diferente da primeira vez. Pensei que agora seria diferente, uma expedição simples para facilitar minha vida em percorrer o rio.

Lógico que com o rio cheio os pontos de acampamento somem em virtude das margens alagadas. Remamos até às 18:00 hrs quando encontramos um péssimo local para acampar. Resolvemos continuar sabendo do risco de não encontrar mais nada e só tínhamos mais uns 30 minutos de luz natural, fato temerário naquele rio cheio de corredeiras e pedras.

Como por milagre, após a primeira curva encontramos um promontório de areia nos esperando. A melhor possibilidade para um expedicionário que resolve acampar na beira de um rio em um dia de chuva. A areia não deixa poças de água e facilita na montagem das barracas e demais apetrechos. Lógico que alguns preferem grama molhada e árvores, mas acredito que seja consenso quando o assunto é umidade. Ambientes os mais secos possíveis sempre tornam um acampamento mais acolhedor.

E agradeço ao Linilson por levar consigo uma cobertura de náilon que nos ajudou a manter tudo seco enquanto preparávamos o jantar.

Na sexta-feira levantamos cedo e após algumas remadas as corredeiras começaram. Todas precisavam ser bem negociadas e estudadas. O Linilson tomou seu primeiro banho forçado de rio, virando em uma corredeira logo no início do dia, mas ainda bem que o Ribeira é largo o suficiente para oferecer pontos de escape.

Como ele remava em um caiaque oceânico que apresentava em sua configuração uma estrutura “quilhada” isso tornava qualquer tentativa de manobra mais difícil do que em uma outra embarcação mais, digamos, apropriada para o terreno, ops... rio. Contudo a estrutura do caiaque ajudou em muitas situações onde a canoa não era apropriada. E para falar a verdade, só um maluco para entrar com uma canoa naquele trecho de rio.

E continuamos com a eterna discussão, que só é uma discussão para quem gosta. Cada ambiente pede uma embarcação apropriada. O que acontece é que o percurso que iríamos percorrer pedia em cada trecho uma embarcação diferente, pois nos deparamos com cachoeiras, corredeiras, longas portagens, longos trechos com rio calmo e algumas portagens onde nos foi exigido carregar as embarcações em terreno acidentado e por cima de pedras.

Após o primeiro susto, continuamos a encontrar corredeiras e em uma delas o Linilson resolveu fazer uma portagem pela margem direita do rio e eu, espertão, resolvi descer a corredeira com a canoa. Como o rio estava todo mexido não deu para ver duas pedras que me aguardavam esperançosas.

Não deu outra...fui de encontro às pedras e a canoa ficou prensada entre elas. Desci da canoa no meio da corredeira e fiquei em pé nas pedras, tentando desvencilhar a canoa. Quem já se deparou com essa situação sabe que a tarefa é ingrata. A canoa estava cheia de água e pesava, naquele momento, algumas toneladas. Pelo menos é o que parecia para meus músculos em frangalhos.

Com uma cuia comecei a tirar a água do interior para facilitar o trabalho, mas entrava mais água do que saia e percebi que se a situação continuasse como estava a canoa se partiria ao meio.

É nessas horas que o sujeito pensa “ Puts...o que é que eu estou fazendo aqui???”.

Assim arrastei a canoa alguns milímetros e ela se soltou, entrando na corredeira. Como estava cheia de água, meus equipamentos tentavam a todo o momento sair pela borda e eu, do lado de fora, acompanhando tudo sem muito que fazer, empurrava a canoa para margem, mas a correnteza era forte e a próxima cachoeira estava chegando.

Já estava vendo o fim da minha querida canoa e dos meus equipamentos. O GPS eu já considerava como perdido, pois me acompanhava em cada mergulho.

Quase próximo à cachoeira, enfim, consegui deslocar a canoa para fora do fluxo principal e fui parar em um remanso. Dei início à operação rescaldo e conclui que as perdas foram poucas, isto é, sem computar meu GPS, perdi uma garrafa de água e meu boné, que me acompanhava já há algum tempo. Ele era feinho, mas eu o achava simpático e gostava dele.

O Linilson já me perguntava onde estava o tal do varadouro, mesma preocupação que eu tive da primeira vez. “Depois de várias corredeiras, as quais ninguém cita, somente falando do varadouro, você começa a se preocupar com o dito cujo”.

Disse a ele que meu GPS morreu, mas eu conhecia o local, portanto não tinha com que se preocupar. Ledo engano, eu realmente conhecia o varadouro, mas assim mesmo nós tínhamos muito com que se preocupar, tal a quantidade de corredeiras.

Não pensem que estou pintando um quadro tenebroso do rio, pois a impressão que quero passar não é essa. O rio apresenta dificuldades, isso é fato, mas nós estávamos preparados para enfrentá-las, mesmo com equipamento inadequado. Uma canoa de madeira de 15” e um caiaque oceânico de igual dimensão.

Esta perna do rio Ribeira pode ser comparada com uma rosa. Para se conhecer toda a sua beleza tem que passar pelos espinhos e haja espinhos.

Enfim chegamos ao varadouro por volta do meio dia e após o reconhecimento e a constatação que, mesmo com o rio cheio como estava, ele ainda não apresentava condições de navegação e assim iniciamos uma longa portagem.

Aproveitei para colocar meus equipamentos de camping para secarem, pois estavam todos encharcados com o acidente relatado. Mais um motivo para sempre carregarmos equipos adequados. Os meus não eram para estarem em tal situação e isso somente aconteceu porque negligenciei ao acondicioná-los em sacos que não estavam estanques como sempre acreditei.

Carregamos tudo para um ponto distante uns 400 metros adiante, local que eu não conhecia ou não existia quando da primeira vez que estive por lá, e depois de um merecido descanso e reconhecimento da próxima corredeira, demos continuidade na jornada.

Como eu tinha feito o reconhecimento da corredeira a seguir, expliquei ao Linilson como seria o procedimento e quando ele entrou na corredeira, aconteceu um fato inusitado. A corredeira apresentava uns 25 ou 30 metros e no seu início, o fluxo da água era forte, tornando difícil a aproximação a partir do local onde nos encontrávamos.

O Linilson, ao entrar na correnteza sofreu um impacto que fez seu caiaque virar e entrar na corredeira de ré. Ele não teve mais o que fazer a não ser rezar e manobrar o caiaque por toda a extensão naquela posição ingrata, e o fez com maestria, sem capotamento ou qualquer encontro com os paredões de pedra que formavam a margem do rio naquele trecho.

Quando finalmente consegui chegar até ele sua fisionomia era de incredulidade pelo feito e não foi para menos.

Corredeira vai, corredeira vem e chegamos a Itaoca onde existe um balsa bastante rudimentar e o balseiro, que trabalha no local desde que nasceu avisa: Tem cachoeira adiante!!! Isso com um sorriso maroto.

Esta cidade marca o início de uma outra seqüência de corredeiras que se conhece por cachoeira da Januária. Acontece que sobre essa ninguém fala ou adverte e depois descobri o porquê!!

Provavelmente ninguém passou por ela para contar sobre seus perigos.

Eu já sabia da dificuldade em transpô-la, mas tinha uma leve esperança de que com o rio mais cheio ela pudesse estar mais simples. Estava enganado e demoramos umas duas horas ou mais para atravessar uma seqüência de três quedas d’água. Tivemos que vencer essas quedas saindo das embarcações e ainda utilizamos cordas e muita força física.

Terminada essa seqüência encontramos um outro funil parecido com o varadouro em sua intransponibilidade e como o dia já estava terminando, assim como nossa resistência, resolvemos acampar. Novamente uma chuva surgiu para refrescar.

No sábado o Linilson acordou com as galinhas e quando terminei de desmontar minha barraca ele já havia feito o reconhecimento da corredeira e chegou à conclusão, acertada por sinal, de que pela água não dava para passá-la. Inclusive já havia caminhado pelas pedras e descobriu um caminho para fazermos mais uma estafante portagem.

Generosidade minha chamar “aquilo” de caminho. Tivemos que carregar todo o nosso equipamento e ainda as embarcações por uma seqüência interminável de pedras. Isso logo de manhã como um aquecimento.

O alento era saber que após essa seqüência de quedas d’água que formam a Januária, o rio ficaria tranqüilo até chegarmos em Iporanga. Pelo assim acreditávamos.

Fizemos a portagem e como não havia espaço para duas embarcações onde pretendíamos colocá-las na água novamente, optamos por colocar primeiramente a canoa, sendo que o Linilson me daria um impulso inicial para me tirar de umas pedras que nos esperavam logo no começo.

É importante dizer que esse local escolhido ainda fazia parte da corredeira. Ele foi utilizado simplesmente pela impossibilidade de continuarmos com a portagem para um local mais seguro.

Aqui eu gostaria de deixar claro que somente continuamos com a expedição porque meu companheiro não esmoreceu em nenhum momento e sempre se apresentou com otimismo e determinação para concluirmos a jornada. Aparentemente não tínhamos como continuar a expedição simplesmente porque não havia nenhuma passagem, nem por terra e muito menos pela água. Imagino que qualquer outro teria desistido naquele ponto em face das dificuldades encontradas. Valeu pela parceria Linilson!!

Eu impulsionei a canoa com o remo e me livrei das pedras graças ao impulso do Linilson percorrendo toda a extensão da corredeira em relativa segurança. Logo no final havia uma pedra enorme exatamente no meio do corredor e com a turbulência gerada pela velocidade das águas, ficava quase impossível percebê-la. Quando estava quase em cima da pedra consegui desviar e fui parar em um remanso onde fiquei aguardando o Linilson com seu caiaque.

Fiquei apreensivo porque ele sairia sozinho e sem nenhum impulso seria difícil desviar das pedras, mas ele se resolveu muito bem passando com destreza por elas, contudo ao tentar desviar da pedra que estava escondida capotou e passou por mim como um raio. Eu, para variar não tinha uma corda de resgate, que naquela situação teria livrado meu amigo de um sufoco, pois havia uma enorme de uma cachoeira aguardando ansiosa por qualquer incauto que tentasse passar por ela.

Por sorte, na outra margem havia também um remanso e ele conseguiu empurrar seu caiaque até lá para tirar a água e continuar a viagem.

Tudo resolvido acertamos o próximo passo que seria vencer a dita cachoeira navegando e essa não seria uma tarefa das mais simples, sendo que havia muita turbulência e uma enormidade de redemoinhos que faziam com que as embarcações ficassem desgovernadas.

Com muita mímica, uma vez que estávamos cada um em uma margem, e gritos por conta do barulho da cachoeira, entendemos que deveríamos abordá-la pelo lado esquerdo que estava um pouco menos assustador.

A seguir avistamos uma vila chamada Colônia e nos deparamos com mais uma cachoeira e nessa ainda tivemos que fazer uma última portagem. Porém, foi pequena e segundo as palavras do próprio Linilson ele não faria mais portagens e eu, lógico, disse que esperava realmente que isso acontecesse, pois seria um sinal de que a expedição, enfim, ficaria mais fácil.

Após essa derradeira começamos a descer o rio, literalmente, pois quando se enxerga Colônia do ponto onde nos encontrávamos, a impressão é de que estávamos no alto de um morro e seria necessário descer para chegar até lá.

Não dá para entender como aquela água toda não despenca lá para baixo. Essa ilusão de ótica sempre nos acompanhou aparecendo em todo o percurso do rio.

Chegando próximo à Colônia avistamos três pescadores e fomos informados que não encontraríamos mais dificuldades dali em diante. Realmente não encontramos mais dificuldades como as que já havíamos enfrentado, contudo ainda passamos por várias corredeiras que exigiram concentração e habilidade, nos obrigando, muitas vezes a parar e analisar qual o melhor trajeto.

Terminada a série de corredeiras e sem GPS para sabe a distância de onde nos encontrávamos até Iporanga, por estimativa chegamos a conclusão que daria para completar o percurso ainda no sábado, pois deveria haver não mais do que 40 km daquele ponto até Iporanga.

Remamos bastante e por volta do meio-dia avistamos a boca do rio Pardo, que o Linilson sabia ficar a 26 km de Iporanga. Assim nos animamos e continuamos a remar.

Esse trecho, como todo o resto, apresenta uma séria de morros com imagens belíssimas, mas uma pena que estão em sua maioria desmatados e com plantações de pinos.

Por volta das 16:00 hrs chegamos em Iporanga e, após ter ligado para o Sr. João nos resgatar, esperamos mais 2 horas até que ele aparecesse.

Fazendo uma operação de rescaldo concluímos que as perdas foram ínfimas quando comparadas com o grau de dificuldade da expedição e eu, de quebra, completei todas as pernas possíveis no rio Ribeira dentro do Estado de São Paulo.

As paisagens vistas nesta expedição são todas magníficas. Parece que foram preparadas para serem colocadas em cartões postais. Algumas montanhas descem até o rio e seu leito formado de pedras completam o cenário.

Assim realizamos uma verdadeira expedição, sem a utilização de qualquer equipamento como avião, carro ou embarcações motorizadas e sem desculpas.

Agora só falta o trecho no Paraná, que penso em começar por Cerro Azul e aqui já fica o convite para quem se interessar. O Linilson disse que no momento não está muito inclinado, mas como ele mesmo disse. É só uma questão de tempo, até as feridas se curarem.

Para quem se interessar em “remar” pelo trecho relatado é só entrar em contato que passo todas as dicas possíveis e me convidem que eu vou também.

Paulo Kuntz