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- Caturro 2006 - 02 - Itavuvu a Iperó
10 e 11 de junho de 2006

Sábado, 10 de junho de 2006
O combinado era seis e meia, mas o pessoal começou a chegar mesmo por volta das sete horas da manhã. Cerca de vinte e cinco pessoas, divididas entre barcos de alumínio, caiaques, uma canoa canadense e o nosso duck ( caiaque inflável ). A predominância masculina constrastava com a Mon, única mulher do grupo, pequenina, mas decidida a encarar o riozão até Iperó.
O Beto não desceu, mas veio prá fazer um aquecimento ali mesmo, no Posto Itavuvu. Numa espécie de tai-chi, o pessoal foi se aquecendo e se preparando para o longo dia sobre o rio. Todo mundo já tinha chegado e já era hora de rumar para o ponto de partida: a ponte no bairro Itavuvu.
A prefeitura de Sorocaba tinha limpado o terreno e assim ficou mais fácil colocarmos os barcos na água. Fácil é uma coisa, muito fácil é outra. Foi o que descobriu o Calipo (Almirante) ao entrar em seu caiaque e protagonizar o primeiro caldo do dia! Logo depois dele, o Carlão seguiu o mesmo caminho. O irônico era que um é instrutor de mergulho e o outro capitão de fragata... O dia prometia...
Às 08:40, comandados pelo "líder de água" Guilherme, fomos descendo sem muita pressa o rio, com destino ao bairro Corumbá, em Iperó. Calculado pelo Dimaroh e pelo Carlão, era um trecho de aproximadamente 31 Km rio abaixo, o que seria alcançado por volta das quatro da tarde.
O rio, ainda meio sujo e com muito galho à flor d'água, não exibia muita vida e dificultava bastante o progresso dos barcos. Os barcos de alumínio, bem mais lentos que os caiaques, precisavam de remadas mais fortes e, às vezes, uma ajudazinha do motor de popa, para se manterem próximos.
Eu e a Mon estávamos nos ambientando com o duck e em pouco tempo já sabíamos direitinho como o barquinho se comportava nas curvas e nas retas. Conforme saíamos do ambiente urbano, o rio se transformava...
Nossa meta era almoçar na ponte do bairro São Bento, ainda em Sorocaba. O ideal era chegarmos lá antes do meio dia, mas já era mais de uma da tarde quando a gente chegou. Estávamos atrasados.
Deixamos ali a dupla da TV Tem e, aliviados ambos os lados, voltamos aos barcos e continuamos a descida. Quer dizer, voltamos todos menos o Zé Garcia, que não saía do caiaque nem com uma arma na testa. Acho que despejou Corega no assento...
Para aumentar o ritmo e chegar em Corumbá ainda com luz, combinamos de conferirmos de tempos em tempos o progresso através do GPS. O do Carlos, porque a bateria do meu não durou duas horas! Mesmo assim, quando chegamos em uma prainha ( prainha é concessão... era uma lamaçal seco... ) no rio, vimos que a coisa se complicara. Era necessário usar o motor dos barcos ou chegaríamos no escuro.
Pelos cálculos anteriores, precisaríamos passar por baixo de uma determinada ponte, no máximo às cinco da tarde. Mais tarde e era navegar à noite no rio! Como a gente não tinha lanterna, o negócio era remar e remar, sem parar...
Conforme descíamos o rio, vimos o Sorocaba passar de um rio calado e dorminhoco para uma festa de vida! Eram garças das grandes que esperavam a gente passar, alçavam vôo e esperavam a gente cinquenta metros rio baixo, prá depois repetir e repetir a brincadeira. Era biguá se arremessando na água, num mergulho bonito e espalhafatoso. Eram bandos e bandos de patos e martins, que passavam pela gente. Os mais sortudos viram até capivara bebendo água!
O lixo ainda se acumulava... Muito detrito, muita garrafa PET, várias bolas (quantos jogos não terminados...), brinquedos, móveis, tudo que se imagina que não deveria ser jogado às águas, tinha lá. Mesmo assim, havia vida...
Até um avião ( o pai do Beto! ) passou baixinho, vendo se estava tudo bem e tirando algumas fotos aéreas. Muito legal!! Quanta gente ajudando na travessia!!!
De repente, eu e a Mon nos vimos sozinhos! O pessoal da frente, que estava a cerca de cem metros rio abaixo, pegou carona num dos barcos a motor, que já rebocava outro, e sumiram. O pessoal de trás estava tão atrás de nós que os radinhos talkabout estavam mudos. Falei prá Mon: "Rema até não aguentar mais, descansa e volta a remar, que eu vou fazer o mesmo!". Já era mais de quatro horas da tarde e, nesta época do ano, seis horas já é noite....
Exatamente às cinco passamos sob a ponte. Pelos cálculos, por volta de uma hora e meia rio abaixo, estaria o bairro Corumbá.
Já fazia mais de uma hora que não víamos nem ouvíamos gente. Os braços começavam a doer e nada de porto. Prá completar, com o sol baixo, quando a proa embicava para o oeste, o brilho refletido nas águas ofuscava e ficava difícil descobrir se logo à frente tinha algum toco ou galho...
Por fim, a noite chegou! Ainda sozinhos, remamos até onde se poderia parar e passamos a tentar nos comunicar com o rádio com o pessoal rio acima. Cinco minutos depois, a voz do Beto Caiuby soou alta e clara no radinho: "Ô Monserrat! que bom ouvir tua voz!! Estamos perto agora...". Mais uns dez minutos e todos estavam juntos, mas com um bom trecho de rio prá descer no escuro.
O pessoal do barco do Robson, quando viu a gente, achou que era ali o ponto de chegada e já foram descendo do barco. Depois, um a um, faziam aquela cara de misto de decepção e fadiga ao perceberem que ainda precisava remar mais um pouquinho...
A noite chegou de vez e a lua cheia brilhava imponente no rio. O cenário às vezes ficava surreal, com a fila de barcos descendo em silêncio as águas agora prateadas. Tudo se desfazia quando entrávamos sob trechos de mata mais densa, onde tudo era escuro e só se via a lanterna da canoa do Dimaroh e do Calipo e atrás a luz do caiaque do Beto.
Oito da noite e finalmente chegávamos em Corumbá. Descobrimos que foram mais de quarenta quilômetros percorridos, num erro que o Carlão não deu sossego pra o Dimaroh por ( maldade dele ) ter "trocado quilômetros por milhas"!
Exaustos, com muito frio e fome, corremos tirar as roupas molhadas, tomar um bom banho quente e vestir roupas secas. O arroz com frango do Zé Luiz já estava pronto e a Mon estava curtindo os momentos de fama de mulher aventureira!
Depois de três pratos de comida, todo mundo começou a ficar sonolento... O problema é que a atividade não tinha terminado! Tinha ainda a apresentação dos cantadores de cururu, o improviso caipira. Para alguns não deu. Nem bem o violeiro começou a afinar a viola, já se ouvia os primeiros roncos vindos de dentro da igreja de Santa Rita, onde a gente iria passar a noite.
Cantou o Zé dali mesmo, outro Zé de Boituva, um Tonico e o sono me expulsou prá cama, onde já dormiam a sono solto uma boa parte do pessoal. Uma pena porque a cantoria estava bonita, a noite era uma criança, mas o jeito era dormir bastante, porque amanhã ainda teria muita remada até o fim da jornada...
Domingo, 11 de junho de 2006
Acordar tarde a gente sabia que não iria, mas não eram nem seis da matina e o pessoal madrugador já começou a agitar, dizendo que a cachorrada tinha feito um belo estrago nas coisas deixadas lá fora. Nem assim a turma se mexeu.
Seis e meia, quase sete, e começamos a preparar o café. Muita comida e todos com fome. A Mon, na falta de panela, inventou o café de panela de pressão e ganhou mais fãs ainda, ao conceder aos viciados por cafeína a dádiva do cafezinho recém coado.
O Beto "Zen" chegou por lá e começou o aquecimento. Era bonito ver todos saudando a manhã com um exercício e se aquecendo ao som de "Aquarela" do Toquinho...
Barcos na água e já dávamos nosso adeus àquele bairro de gente tão simples quanto boa, os ribeirinhos do Corumbá.
O remo começou forte e o GPS, agora com pilha nova (e várias para reposição), indicava 6 Km/h. Assim a gente ia chegar cedo no destino...
Novamente, saindo do núcleo urbano, a vida volta. Menos pássaros que no sábado, o mesmo tanto de entulho, alguns animais mortos e a marca do homem prá deixar menos bela a paisagem... Mas um dia vai melhorar...
Conforme aproximávamos, a gente ia juntando os barcos, às vezes com a ajudazinha dos barcos a motor. Numa destas, o Godô, que estava de carona em seu caiaque, deixou o barco de aluminio escapar e ficou fazendo cara de bobo, sem remo, com os braços cruzados dentro do seu caiaque a descer o rio ao sabor da correnteza. Depois de um tempo, deu dó e voltaram para resgatá-lo, mas valeu o momento!
Faltava pouco agora... Lanchamos na beira do rio e nos organizamos para chegar.
Pouco mais de uma hora depois, o condomínio Solaris, nosso ponto de chegada, a dezoito quilômetros e meio rio abaixo de Corumbá! Jubilo geral! Era hora de festa!!
A Mon clamou pelo direto de "as damas primeiro" e quis subir no pier flutuante antes de qualquer um. Assim que pisou, o pier foi prá um lado e o bote pro outro, cada um com uma das pernas da menina... Depois de um olhar assustado prá mim, como quem diz "e agora?", ela tomou seu primeiro caldo no rio e teve que ser resgatada à moda rafting, vulgo "puxando o saco-de-batata", onde o "náufrago" é içado para o bota pelo seu colete salva-vidas. O Carlão, que se prontificou a ajudar assim que a Mon caiu, teve o mesmo destino molhado.
O diálogo que se seguiu, tomado fora de contexto, levantava sérias dúvidas à masculinidade do Carlão e do Matielli: "Não!! Não quero saber!!! Não vou virar!! Você virou e quer que eu vire também!!", gritava o Hamilton ao que o Carlão retrucava: "Vira!! Vamos virar juntos!! Você vai ver que não é tão ruim assim...". Diálogo responsável pelas gargalhadas finais do trecho embarcado.
Depois, só protocolos. O prefeito de Iperó recebeu a carta enviada pelo prefeito de Sorocaba, a mesma coisa acontecendo com a prefeita de Boituva. Na próxima etapa, estes mesmos prefeitos, de Iperó e Boituva, nos encarregarão de levar a mensagem aos prefeitos de rio abaixo, restaurando o meio tradicional de séculos atrás, quando os bandeirantes desciam o Sorocaba e levavam consigo as boas e más novas do povo do rio acima.
Como diria o fim de praxe da oração escoteira: "... e que ninguém se machuque...". Todos sãos, com a única baixa da câmera do Barroso, que caiu no rio, batemos os remos no cumprimento dos navegantes e certos de que a aventura continua. Na próxima etapa, se Deus quiser, até Cerquilho.